Há quinze anos, no mês de junho, o hipódromo de Longchamp acolhe osSolidays. É um encontro indispensávelde variedade musical, mas, sobretudo, um momento muito intenso de solidariedade em relação às pessoas acometidas pela AIDS. Ele chegou a reunir 170000 pessoas sensíveis a essa mescla de ação social e de divertimento musical. Há pelo menos quatro polos nessa ação:
– Ajudar: cada ano, as receitas do festival permitem financiar projetos de pesquisa e de solidariedade na França, assim como no exterior;
– Prevenir: revisar as questões inevitáveis da prevenção e da solidariedade através de animações lúdicas e didáticas;
– Mobilizar: jovens e menos jovens vêm em grande número cada ano, da França inteira, para encontrar os militantes, lhes prestar homenagem e testemunhar seu apreço profundo a uma solidariedade sem fronteiras;
– Defender: diante da virulência do flagelo, é primordial defender um acesso aos antirretrovirais interpelando governos e mídias.
Os ministérios (Comunicação, Juventude, Cultura), assim como numerosos parceiros privados, apoiam os Solidays. Esse modelo – associando os interessados atingidos pela AIDS, os militantes que defendem as medidas contra a AIDS e os profissionais, com o objetivo de levar os grandes projetos de pesquisa – se impôs. Ele modificou profundamente as relações da medicina com os doentes, assim como as relações com as tutelas. A enfatuação médica não tem mais lugar e as doenças estão associadas a projetos de pesquisa.
No mesmo esquema, os MadDays propõem nos conduzir, nos dias 10 e 11 de outubro através de circuitos artísticos para « um outro olhar sobre as doenças psíquicas » que atingiriam uma pessoa em cada 5 no curso de sua vida. A ameaça é acompanhada de uma predição da OMS: elas representarão, até o ano de 2020, a primeira causa de deficiências no mundo.
Os iniciadores dos MadDays desejam fazer dele um evento cultural, festivo e aberto a todos e solicitam o apoio financeiro das instituições culturais da Île de France mais importantes que se engajarão para colocar em foco as doenças psíquicas através de sua programação.
Mas deve-se estar satisfeito por ver que se atrai assim a atenção do público sobre os problemas da doença mental e de seus cuidados? Certamente, a ideia de cruzar os interesses artísticos e as questões ligadas aos sintomas psíquicos é excelente. A psicanálise, a arte bruta, não apostaram há cinquenta anos nos artistas enquanto que eles testemunham de sua solução quanto ao mal estar e seus sintomas, sendo o sintoma deles tomado como aquele de sua sociedade? Pode-se igualmente aprovar o projeto de associar as famílias, as associações de pacientes ou de ex-pacientes, à tentativa de lançar luz sobre o que está em jogo nessas patologias e em se encargar delas. E que a ARS esteja também concernida, isso não é surpreendente, já que ela se encarrega da psiquiatria sob todas as formas sanitárias, pública e privada, de seus estabelecimentos, mas também do setor médico-social, com um papel de controle do funcionamento e do financiamento dos estabelecimentos.
Mas muitas questões veem interrogar os termos desse apelo e sua finalidade.
Por ocasião dos Solidays, a solidariedade e os artistas são convocados para reunir fundos de apoio à pesquisa, com uma eficácia provada na descoberta de meios de luta contra os agentes virais e o desenvolvimento de campanhas muito pertinentes para vir em auxílio dos pacientes e restringir a contaminação.
A oposição do termo doença psíquica – que conservaria a inteligência – àquele de doença mental seria barroca se ela não recobrasse um fundo de hostilidade às práticas psiquiátricas supostas estarem a cargo das doenças mentais.
Seria necessário tomar por conta de um certo desbussolamento generalizado o fato de que as estruturas de cuidados, os cuidadores «psi» não sejam representados senão por sua instância tutelar (ARS) ? ou trata-se de uma vontade deliberada de varrê-los do mapa? A Unafam, associação das famílias, menciona os sindicatos de psiquiatras como simples parceiros nos procedimentos diante dos poderes públicos.
Os desacordos nos tratamentos e nos cuidados entre os trabalhadores psiquiátricos, as famílias e os pacientes não seriam inerentes ao tipo mesmo dos sintomas que eles tratam?Em nenhum caso esses desacordos podem se tornar pretexto para desconhecer o ponto de vista do outro. A expertise, em numerosos domínios médicos, é agora confiada àquele que não conhece a questão, pelo fato de que os conflitos de interesse são temidos. É assim que a verdade é esperada da avaliação e do próprio doente numa negação daquilo que seria sua demanda.
Que um paciente dê mais importância para seus sintomas do que para si mesmo, eis o que sempre provoca escândalo pelo fato de que ele não se submeteria ao bem que o outrolhe deseja. É aproximando da questão do sujeito dessa maneira que a psicanálise, baseada na experiência daquele que aí se submete, pode escutar a complexidade dessas situações. Não basta querer mudar as mentalidades, tal como certos psiquiatras sonharam, para tocar o real daquilo que torna você louco.
Por falta de meios humanos, por falta de estruturas adequadas para acolher os pacientes acometidos por sintomas psíquicos, pode ser tentador modificar a perspectiva sobre a loucura, confiar um pouco mais ao meio que cerca cada um o cuidado de encarar os problemas de seus próximos, até negar a pertinência de uma abordagem específica. O filme de Mariana Otero, A céu aberto, encontraria seu lugar nesses MadDays, se o projeto, como eu o temo, não fosse o de fazer esquecer o mais real daquilo que está em jogo no sintoma e que torna deficiente o paciente quanto mais o trabalho sobre o sintoma é negligenciado. Modificar os comportamentos não se improvisa e não é uma questão de opinião sobre a loucura. O real que está em jogo na obra de arte não deve servir de anteparo para essa questão essencial.
O termo de vida psíquica passou atualmente para o discurso sem que nos interroguemos sobre essa psique que se distinguiria do corpo. O fato de que o pensamento seja perturbado, nos sintomas que a abordagem neurológica é insuficiente para definir, não implica em que a psique suplante o mental enquanto que ele concerne tanto o corpo quanto o espírito daquele que se queixa disso.
Lembremo-nos da função dos carnavais nas sociedades da idade média, mas não apostemos que os regozijos públicos, mesmo que eles sejam « dias de loucura », tratem sem o esforço de levar em conta o real pela palavra os sintomas que tocam ao laço social.
Uma família para todos…, a crônica de HélèneBonnaud
Com efeito, o casamento entre pessoas do mesmo sexo introduz imediatamente a questão da procriação. Os casais de mulheres e os casais de homens querem cada vez mais fundar uma família, e a criança é o objeto essencial, primordial para realizá-la. Nesse sentido, o casamento homossexual era a primeira etapa em direção a esse processo de normalização dos casais homossexuais diante dos casais heterossexuais. Esses efeitos negativos podem ser interpretados como um recuo ligado ao modo pelo qual os partidários do « Casamento para todos »[1], que se reuniram na rua no domingo, 5 de outubro, em Paris e em Bordeaux, para dizer do seu descontentamento quanto à política da família atual e a questão da GPA, e têm peso na vida política.
Ora, Manuel Vals acaba de declarar, numa entrevista ao jornal La Croix, que a GPA é proibida na França. Isso deveria encerrar o debate ou, pelo menos lhe opor uma certa reserva. O primeiro ministro pretende mesmo, fazer nas próximas semanas, « a promoção de uma iniciativa internacional que poderia desembocar, por exemplo, no fato de que os países que autorizam a GPA não concedam o benefício desse modo de procriação às pessoas que se originam de países que a proíbem ». (1) Os manifestantes deveriam se regozijar com isso. A GPA seria não apenas proibida na França, mas os franceses seriam proibidos de GPA fora da França, nos países que a praticam e a permitem, como os USA, a Grã-Bretanha, etc.
Isso é tão lamentável vindo de Manuel Vals que a Corte europeia dos direitos humanos condenou a França, em junho de 2014, por não ter querido dar a nacionalidade francesa a crianças nascidas por GPA nos Estados Unidos.
Libération(2) entrevistava os célebres pais Mennesson, pais de gêmeas nascidas graças a uma mãe de aluguel, que lutam há anos para que o Estado dê uma carteira de identidade francesa para suas filhas e esse direito deveria agora lhes ser acordado. Mas Manuel Vallscoloca numa posição perigosa essa obrigação, no entanto, necessária, de defesa do « interesse superior da criança».
Mesmo que essa abertura tenha limites e que ela não garanta os efeitos de um nascimento por procuração, ela indica, sobretudo, a potência do desejo de filho, este podendo conduzir a um excesso de amor e de proteção, mais do que à sua rejeição. Para a criança, a sexualidade e a obtenção de um filho não convergem. Ela não pode imaginar as relações sexuais entre seus pais, nem que ela é o seu produto. É um impossível. Quando ela cresce e começa a vislumbrar alguma coisa do desejo sexual no casal parental, lhe é necessário afrontar essa revelação. Numerosos sujeitos em análise testemunham o horror dessa descoberta.
Nada, portanto, nos permite afirmar que haja uma boa maneira de se situar diante desse gozo substitutivo. Ter um filho é uma delas. Há um gozo em realizar esse desejo. E é finalmente o de que se trata sempre para a criança, saber se ela foi ou não o fruto do desejo daqueles que a educam, cuidam, lhe falam, a amam. Para o resto, haverá belas histórias para contar como isso se realizou… o que Lacan já havia notado: « A relação sexual fica entregue ao aleatório do campo do Outro. Fica entregue às explicações que se lhes deem.» (5)
Notas:
A céu aberto de Mariana Otero na Espanha, por Vilma Coccoz
No próximo dia 24 de outubro ocorrerá o lançamento nacional na Espanha do documentário A céu aberto realizado por Mariana Otero. Duas projeções em pré-estreia estão igualmente previstas: em Barcelona, no dia 16 de outubro, e em Madri, com a presença da diretora, no dia 17 de outubro (1). A bela acolhida desse filme na França, na Bélgica, na Bulgária, na Colômbia, e os elogios da crítica e do público permitem pensar que será a ocasião de participar de um verdadeiro acontecimento. Por duas razões: trata-se de uma imensa obra de arte e é também a primeira vez na história do movimento psicanalítico que uma instituição abre suas portas para uma câmera, aceitando que a vida seja filmada tal como ela ali se desenrola.
Mariana Otero queria fazer um filme sobre a loucura para compreender como aqueles chamados de « loucos » veem o mundo. Mas os lugares que ela havia visitado antes de conhecer o Courtil a condenavam a um olhar exterior. Os educadores permaneciam fora de seu alcance, estrangeiros às questões que ela formulava. O abismo era intransponível.
Com o Courtil, Mariana teve um verdadeiro encontro: ela iniciou um percurso pessoal e artístico que deu lugar a uma peça única de cinema e de psicanálise. A céu aberto é o resultado desse encontro de uma artista, impulsionada por uma interrogação tão crucial quanto íntima, com um discurso, e que compreendeu que essa instituição conduz à realização, no real, do discurso analítico de orientação lacaniana. Ali, o tratamento dessas crianças que não se inscrevem no discurso comum, por causa das exigências de seus sintomas, é tecido no cotidiano pelos interventores, num dispositivo original inventado por Antonio Di Ciaccia e que Jacques-Alain Miller qualificou de « prática feita por vários ». A prática feita por vários não é um método, nem tampouco um programa, mas uma experiência coletiva destinada a socorrer aqueles que não podem se virar sozinhos com o real da existência, com os fenômenos que invadem seus corpos, seu pensamento, suas relações com os outros.
Fazer um documentário bem sucedido em mostrar a maneira como cada uma das crianças é tratada em sua singularidade, como um enigma cuja decifração abre as portas a uma solução nova, viável graças ao apoio e ao socorro daqueles que aí intervêm, pressupunha que se filmasse de uma maneira diferente. Mariana Otero a princípio se incorporou à equipe do Courtil e quando finalmente decidiu fazer o filme, ela concebeu uma maneira de carregar a câmera de modo a fazer corpo com a câmera, a se tornar um corpo-câmera.
Ela também renunciou ao engenheiro de som, carregando ela própria o microfone. Inserida no cotidiano, sua presença se tornou familiar, seu olhar através da câmera não era mais estrangeiro para as crianças.
A céu aberto é o relato do percurso de algumas crianças na instituição durante três meses, durante os quais se percebem mudanças nos sofrimentos infantis, no ritmo das intervenções das crianças e dos adultos. Os últimos, leitores de Lacan, refletem a partir das descobertas de cada um e discutem finezas do discurso das crianças das quais eles se ocupam. Seguimos com eles seus encaminhamentos durante as reuniões de trabalho, as trocas com um analista de referência. No Courtil, a vida está aí, deseja-se saber, se inventa, se respeita a diferença.
A céu aberto é uma experiência do olhar, um outro olhar, aquele de Mariana Otero, que se vale de momentos preciosos, porque ela não filma essas crianças para mostrá-las, mas para que se possa, graças a essa mídia que ela utiliza com tato, compreender algo de sua língua privada. Cada um de nós, espectadores do filme, é convocado a acompanhar Mariana em seu percurso e participar de sua extrema delicadeza, de sua sensibilidade requintada.
Um livro essencial, ao qual se deu o mesmo título, se emparelha com o filme. Nesse livro, descobre-se, através das entrevistas com os fundadores do Courtil, como ele foi concebido, como ele é organizado, seus fundamentos teóricos e, na última parte, os detalhes da filmagem.
O dia 24 de outubro é um dia de festa para o Campo Freudiano e para todos aqueles que abordam os sofrimentos infantis com o rigor clínico necessário, fundado sobre a convicção de que uma outra maneira de tratar os sintomas e « a loucura » é possível.
Nós o convidamos a ver esse filme, a discuti-lo, a descobrir seus achados.E dizê-lo a todo mundo!
Tradução do espanhol: AzucenaBombín
1 : Barcelona, 16 de outubro no cinema Boliche, 20h – Madri, 17 de outubro no cinemaArtisticMetropol, 20h
Tradução: Cristina Drummond
[1] O movimento « Manif pour tous ».