Freud colocava essas palavras como epígrafe de sua “Interpretação dos sonhos”, por meio da qual esperava modificar inteiramente a compreensão dos fatos mentais e dos sofrimentos afetivos. Com essa citação um pouco preciosa, ele anunciava sua revolução com uma solenidade comparável ao fervor que, um século antes, presidira ao nascimento da medicina mental. Sabemos, evidentemente, que o alienismo serviu os poderes oficiais. Isso não deve contudo fazer esquecer que a psiquiatria nasceu da vontade de tratar de maneira diferente aqueles que falavam de seus sofrimentos morais e mentais, com a preocupação de estabelecer classificações que permitissem melhor resolver o enigma de suas causas.
Isso foi contestado nos anos 1960 e 1970. Devemos muito ao despertar dessas contestações. Contudo, o nascimento da psiquiatria foi, queiramos ou não, o momento mesmo em que foram construídas as bases epistemológicas de um primeiro conhecimento racional dos fenômenos em questão.
Por que era preciso, um século mais tarde, soar o alarme convocando Virgílio? Porque fazia vinte ou vinte e cinco anos que a medicina mental estava abandonando todas as suas hipóteses psicopatológicas, com exceção de uma única, a do “todo biológico” que propõe a identidade do mental e do cerebral; a do “preconceito somatista” de Kurt Schneider.
Em 1900, Freud exprimia não a sua reserva face à hipótese orgânica, mas sua oposição à sua ditadura, à imposição de não se acreditar em nada além dela, de não admitir nenhuma outra suposição etiológica. Citemo-lo: “A concepção somática da interpretação dos sonhos corresponde às tendências que dominam atualmente a psiquiatria. Tudo o que poderia provar a independência da vida mental com relação a modificações orgânicas… assusta nossos psiquiatras atuais… Sua desconfiança colocou a psique sob tutela.” (G. W., Tomo 2, p. 45). A advertência freudiana era clara: não existe ciência sem a exigência de um debate democrático. O que as clínicas atuais esqueceram.
Texto original em francês. Tradução para o português de Alain Mouzat.
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