«Nós não queremos que nossas práticas curadoras sejam homogeneizadas»
No começo desse mês de junho começou «O benchmarking dos CMPs (Centro Médico Psicológico) na região das Províncias do Loire». Este estudo foi proposto pela ARS – Agência Regional de Saúde – a todos os CMPs. Aqueles que responderam, descobriram – depois – o processo mortificante / humilhante no qual estavam engajados. Depois do debate institucional, então, as equipes de tratamento de um serviço de um CHS das Províncias do Loire decidiram se retirar do processo e endereçaram uma carta à ARS. Eu conheci a equipe de enquadramento e o chefe do centro desse serviço que aceitaram me falar sobre as razões dessa decisão.
Benchmarking é uma estratégia desenvolvida em meados dos anos 80 e utilizada pelas empresas a fim de melhorar seus desempenhos, ao mesmo tempo em que se mantêm competitivas. Fazer um benchmarking leva a observar empresas concorrentes. Isto concerne à gestão de qualidade, à organização interna, ao marketing. Os empregados devem ver o que se faz fora para modificar suas maneiras de fazer. Para uma empresa, trata-se de se comparar aos líderes do mercado, de se inspirar neles. Esta metodologia foi muito bem desenvolvida na indústria automobilística onde projetar produtos pelo menor custo é vital.
Como é possível conceber que tal método possa se aplicar no domínio do tratamento psíquico?
Quando este estudo foi apresentado a eles, alguns médicos desse CHS (Centro Hospitalar de Saúde) se mostraram críticos em relação à essa abordagem dificilmente aplicável à psiquiatria. Como outros hospitais tinham decidido participar da experimentação, eles a aceitaram. Do outra lado, delineava-se a esperança de um reconhecimento de seu trabalho. Houve confusão e, bem depressa, decepção: nenhuma reflexão de base foi introduzida. «Alguém nos disse: «Otimização das consultas médicas no CMP», nós ouvimos, «valorização e reconhecimento de todo esse trabalho no CMP». E quando nós tínhamos os documentos em mãos! Foi aí que nós caímos das alturas!»
No dia do treinamento começa um verdadeiro quebra-cabeça! As equipes descobrem uma língua desconhecida, gerencial, que não tem, absolutamente, nada a ver com as preocupações deles. Nós os atacamos com perguntas, estávamos angustiados». Os treinadores perceberam que seus registros não eram pertinentes para a saúde mental. Então, incluíram a enfermagem. «Depois de quatro horas de explicação dos registros, ainda era impossível compreender o significado desse estudo e a maneira necessária para verificar os itens.»
O registro da coleta «Declaração do conjunto das entrevistas» está focado no tempo de duração das entrevistas: começo – fim – interrupção. Com um item «tempo acumulado de inatividade no conjunto da entrevista, superior a 15 minutos». O estudo quer saber o número de entrevistas por dia, por profissional. Fazer isso para, em seguida, comparar os profissionais entre si. Quem faz mais entrevistas? Quanto tempo elas duram? Quantos consultórios são utilizados? Os horários de entrevistas cancelados são substituídos? Caso contrário, é preciso marcar «tempo de inatividade».
Nenhuma explicação para dizer a que isso servirá. Em relação aos pacientes, uma única coisa foi perguntada: seu perfil! Com três caselas para escolher: psiquiatria, saúde mental e indeterminado. Que sentido essa pergunta tinha? Como distingui-los? Nenhuma resposta podia ser oferecida. Após a leitura minuciosa desses registros, os cuidadores se perguntaram: «Por que não nos dão a palavra para falar do nosso trabalho ao invés de nos perguntar sobre a duração cronometrada das entrevistas?»
Durante três dias as equipes jogaram o jogo, ao mesmo tempo que diziam que isso não combinava com suas práticas. Depois a decisão de sair do processo foi tomada: tudo aquilo era absurdo e se fazia em detrimento do tempo passado ao lado do paciente. «Passamos muito tempo a buscar compreender o sentido. É uma linguagem incompreensível, nós reformularíamos tudo. É preciso entrar nos espaços e vimos que nossa maneira de trabalhar não entrava nos espaços. Poder adaptar a realidade aos registros, era impossível.»
É possível que esse estudo tenha partido de uma ignorância sobre o trabalho de tratamento e provavelmente de um desejo de sair dessa ignorância.
Mas este método é impróprio para descobrir o trabalho de campo. «Há imprevistos, pacientes recebidos em urgência, cancelamentos de consultas, algumas que duram mais tempo que previsto, outras mais curtas. Nós não cronometramos a consulta, tentamos manter a flexibilidade que faz nossa riqueza. O essencial, não é a duração das entrevistas, o que conta são as palavras dos pacientes.» É possível que o ARS não compreenda porque há tantos CMPs na região e, provavelmente, tem a ideia de que todos os CMPs deveriam se nutrir do melhor da cada uma para funcionar, dentro do prazo, da mesma maneira. «É apagar as particularidades, a originalidade de cada equipe. Porém, sua singularidade faz também sua eficácia.»
Nestes registros, não é solicitado rastrear a atividade real: reuniões clínicas, staff, etc… «São itens que não ensinam nada. No nosso CMP, o trabalho ao lado de pacientes psicóticos compreende todo um tempo de instalação da confiança que não acontece necessariamente num escritório. Propomos um acompanhamento que não necessite ter um enquadre tão fechado e fixo como aquele que os registros descrevem!» O trabalho num CMP não pode se limitar à numeração da duração das entrevistas . Ele consiste em ajudar o paciente a pacificar seu cotidiano, às vezes a acompanhá-lo à sua casa, a ajudá-lo a viver na cidade. «Nós constatamos, por exemplo, que a entrevista individual num escritório, pode ser muito angustiante para certos pacientes. Portanto, não hesitamos em sair dos muros do CMP. Passar um momento de vida junto com alguém, às vezes, é uma etapa necessária para que a perseguição se apazigue. Acompanhar um paciente a comprar uma roupa pode ser uma maneira de ajudá-lo a reconstruir sua imagem. Nós também saímos para fumar cigarros com os pacientes – onde marcar tudo isso nesses registros? O que é desesperador é saber o quanto esse estudo passa ao lado do essencial. Isso não se chama «entrevista», mas é sempre aí que a palavra se libera e os pacientes nos falam mais de seu sofrimento.»
Com os pacientes, as equipes tentam se ajustar a cada história singular, essa que não se codifica. «Nós tentamos lhes devolver o gosto de viver. Nosso desejo está engajado aí, e nós não estamos no desempenho, em uma cifra, em um número de entrevistas por dia: isso não apresenta nada que interesse a esta dimensão da codificação. A dimensão humana se situa na palavra. É esta palavra, espontânea, às vezes fora do enquadre do escritório de entrevista, que permite apaziguar alguma coisa.»
Hoje o trabalho de cuidador está prejudicado. Nós queremos que os pacientes continuem a ter um lugar na sociedade. Para isso, é preciso que haja cuidadores que acompanhem os pacientes de maneira original. Nós não queremos que nossas práticas de tratamento sejam «homogeneizadas».
A homogeneização é o que todo processo de avaliação visa: reduzir as disparidades, os ímpares, as diferenças.
O paradigma da avaliação vem da medida e do calculável.
1-. É uma arte da gestão que nada tem de científico. Não é porque se escalona, se cifra, se compara, que se obtém resultados científicos.
2-. «A operação de avaliação faz um ser passar de seu estado único ao estado de um entre outros. É isso que o sujeito ganha ou perde na operação: ele aceita ser comparado, ele se torna comparável, acede ao estado estatístico.»
3-. O discurso é este: inspiramo-nos uns nos outros, agimos da mesma maneira, tornamo-nos semelhantes. O ideal de compartilhar conhecimentos é a dissimulação do roubo.
4-. O que parece dissimulado, é o reino do «terror conformista». Deduz-se que tudo isso que não funciona pode ser substituído, já que nós nos tornamos idênticos, portanto intercambiáveis.
Porém, o que a psicanálise defende é o caráter único, incomparável de cada ser humano. Um jamais substituirá o outro. O método analítico exclui a comparação e sustenta que o mais precioso de cada um reside justamente nisso que há de mais « fora da norma », atípico, original.
Após ter recebido a carta que lhe foi endereçada, a ARS entrou em contato com a equipe desse serviço, vigilante desde então, propondo-lhe um encontro para falar da particularidade de seu trabalho. Ela será ouvida?…
Notas:
1-. Miller J.-A. et Milner J.-Cl., Voulez-vous être évalué ?, Grasset, 2004, p.15
2-. Ibid., p.41
3-. Ibid., p.58
4-. Ibid., p.60
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Tradução: Cláudia Aldigueri Rodrigues
Comunicação: Maria Cristina Maia Fernandes