Domingo 23 março 2014 – 08 h 29 [GMT + 1]
NÚMERO 387
Eu não perderia um Seminário por nada desse mundo — Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolha — Agnès Aflalo
www.lacanquotidien.fr
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Bélgica feliz!
Até que enfim! (3), a crônica belga
de Yves Depelsenaire
Uma crônica belga! Confesso que hesitei em responder positivamente a este convite do Lacan Cotidiano. Uma crônica portenha ou carioca, um anúncio de New York, uma carta de Kiev, é isso que tem boa aparência, mas uma crônica belga…
Porque não uma «história belga», daquelas que tanto faziam rir os Franceses, não há muito tempo.
Mas os tempos mudaram, concordo com isso. Na França, o Belga hoje é bem cotado! Comer batatas fritas e beber uma Leffe, é a moda. Melhor: os Franceses, parisienses em particular, fantasiam facilmente sobre os Belgas. Eles se extasiam diante dos besouros de Jean Fabre ou dos porcos tatuados de Wim Delvoye, das coreografias de Ana de Keersmaker, das lições de Stromae, dos filmes dos irmãos Dardenne, dos trajes de Dries Van Noten e dos dribles de Eden Hazard. De repente, os belgas lhes aparecem descolados, inventivos e fantasiosos. Sexualmente, eles seriam mesmo completamente descomplexados! Ah! como seria bom ser belga! Belga e feliz, como Philippe Geluck (feliz se diz geluck em flamengo) e seu Gato!
Este entusiasmo não deixa de me surpreender, eu que vivi muitos anos em Paris, por muito tempo temendo as provocações por meu sotaque franco-belga.
De volta à Bélgica, alimentei por vários anos o sonho de retornar a Paris. O céu me parecia baixo, Bruxelas uma cidade feia e provinciana. Nada me exasperava tanto quanto os partidários da «belgitude». Eu me regalava com os sarcasmos de Baudelaire em sua Pobre Belgique. Henri Michaux, meu poeta preferido, não havia tirado jamais os pés de Namur, sua cidade natal, dele! E eu aqui agora me ocupando em redigir uma crônica belga! Até que enfim!
Graças ao Thalys – uma hora e vinte minutos de viagem contra três horas há pouco tempo – Paris e Bruxelas estão, felizmente, muito mais perto. Mas eu devo informar um sentimento surpreendente: alguma coisa se inverteu nestes últimos anos. Bruxelas se internacionalizou, enquanto a França, temperamental, visivelmente se fechou sobre si mesma em sua «identidade infeliz». Depois de Lacan, Deleuze, Foucault, é a vez de Ferry, Comte Sponville, Onfray! E na arte, aquela da celebração dos antigos mestres. Bruxelas, ao contrário, se tornou um tipo de pequena Berlin. Um sinal deste movimento não engana: a vinda em grande número de jovens artistas franceses, artistas plásticos, atores, performistas, músicos a procura de um ar novo. No CPCT de Bruxelas, nós acolhemos regularmente alguns deles!
Bruxelas não é, portanto, somente o refúgio dos Franceses – Tapie, Arnault, Depardieu…- que querem fugir do imposto sobre a fortuna. Há os artistas, há também um número importante de estudantes franceses, especialmente de medicina ou de fisioterapia, e os funcionários europeus. Há também muitos jovens franceses trabalhando na hotelaria ou na restauração. No total, isto dá, só para a cidade de Bruxelas, cento e vinte mil cidadãos franceses, o que a torna a comunidade estrangeira mais importante, antes dos Marroquinos (oitenta mil). Praticamente tanto quanto os Espanhóis, os Portugueses, os Italianos, os Gregos e os Turcos reunidos. Imagino quanto Baudelaire estaria assustado. Mas é verdade que a forma de uma cidade muda mais rápido do que o coração de um mortal…
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por Alice Ha Pham
Na linha de Mondrian, de Freundlich ou ainda de Kandisnky – com seus círculos concêntricos – Serge Poliakoff ilustra notavelmente o Há Um1 que Lacan retira da leitura de Platão. A exposição «O sonho das formas»2, que acabou de se concluir no Musée d’Art Moderne de Paris, soube revelá-lo ao longo de um percurso através das obras abstratas do artista.
As composições de Poliakoff, que parecem se repetir infinitamente, convidam à meditação e ao silêncio. A trama, a organização de Um-quadro se declina ao infinito. Trata-se, de fato, ao longo de toda a exposição, de se deixar conduzir pelas variações de uma mesma composição: uma forma central, em duas ou três partes, uma espécie de pedra angular do quadro, permite uma divisão destas formas imbricadas irradiando em torno deste centro, cores mais ou menos vivas dialogam e se harmonizam. A aparente unidade das obras mascara uma multiplicidade de possibilidades, de combinações de cores e de formas. A exposição coloca, assim, em epígrafe o grande rigor e a aplicação do artista na construção de Um-quadro: «Um quadro, dois quadros, mil quadros, é a mesma coisa»3, afirmava o pintor, com os quadros, comprovando.
O exílio
Serge Poliakoff é o décimo terceiro e penúltimo filho de uma grande família cigana russa, pouco convencional, que participa do surgimento de uma nova burguesia cigana. Seu pai, quirguistão, é um rico criador de cavalos, e abastece a cavalaria do czar. Sua mãe, filha de um fazendeiro, é uma praticante fervorosa, frequenta assiduamente a igreja russa – berço da inspiração icnográfica de Poliakoff. Além disso, a família é famosa pelo coral cigano Poliakoff criado por um de seus tios. Serge Poliakoff é assim mergulhado, desde sempre, em um universo intelectual e artístico de prestígio, mimado pelos mais velhos que o iniciam e o sensibilizam para a literatura, a música e a pintura.
Quando a revolução russa eclode, Serge Poliakoff deixa Moscou – ele tem, então, 18 anos – depois, algum tempo mais tarde, foge da Rússia durante o grande êxodo russo. Depois de uma longa viagem chega a Paris, em 1923, e lá permanece até o fim de sua vida. Deixando Moscou, Poliakoff faz a radical escolha do exílio, para ficar vivo e livre. Ele deixa toda a sua família, abruptamente, sem mesmo poder lhe dizer adeus. E esta decisão o deixa definitivamente só. Desta perda, desta ruptura em sua vida, ele fala pouco. Homem taciturno e modesto, é no silêncio que ele pinta. «Quando um quadro é silencioso, isso significa que ele tem sucesso. Algumas de minhas telas começam no tumulto. Elas são explosivas. Mas eu só fico satisfeito enquanto elas não se tornam silenciosas. Uma forma deve se escutar e não se ver».4
Pintor solitário
Poliakoff resumia sua criação e sua relação com a arte abstrata por uma fórmula: «Leão caça sozinho». Essa solidão do Um-sozinho se percebe em sua obra. O exílio traumático e o silêncio que o acompanha são o terreno da criação abstrata de Poliakoff. O fora do sentido da extração e da falta não pode ser nomeado, somente há a pintura que permite a escrita. Poliakoff encontra na pintura uma maneira singular de dizer silenciosamente, procurando cada vez em suas composições sua capacidade de identificar «um silêncio absoluto».
Sem ser sua primeira vocação – ele era guitarrista – como encontro contingente, a pintura vem fazer nuvem. Preparando sua exposição, alguns meses antes de sua morte, Poliakoff escreve «Fisicamente, eu sou russo, espiritualmente eu pinto francês; se eu não tivesse vindo a Paris, talvez não seria um pintor».5 Se Poliakoff não tivesse vindo a Paris, ele talvez não teria se tornado um pintor, se ele não tivesse deixado sua família e fugido de seu país, ele talvez não tivesse tido recursos para esta incansável escritura ímpar. «O Um surge como o efeito da falta»6, nos ensina Lacan em …ou pire, «ele é a reiteração da falta»7. A presença dessa falta permite compreender o que é inerente à repetição, o que repete esta repetição. Segundo Poliakoff, «Cada um dos grandes pintores desenvolve um tema. Este tema, longe de ser superficial, vem das profundezas e a quantidades de obras realizadas não o esgota».8
A incansável criação pictural de Poliakoff nos ensina quanto, para ele, a pintura abstrata era um modo de dizer o indizível: «Muitas pessoas dizem que na pintura abstrata, não há nada. Quanto a mim, eu sei que se minha vida fosse três vezes mais longa, ela não me seria suficiente para dizer tudo aquilo que eu ali vi».9
Em 1964, Poliakoff ilustra Le Parménide10 de Platon. É a única obra que ele ilustrará, e isso estaria sem dúvida relacionado ao fato de que ele poderia encontrar, neste texto, uma certa ressonância com sua pintura. De fato, em Le Parménide, Platão relaciona o Um e o ser através de uma série de hipóteses contraditórias «se o Um é…», «se o Um não é…». Enquanto a primeira série conduz à impossibilidade de que o Um exista, Platão chega finalmente à conclusão de que «na hipótese em que onde não há Um, nada é», fazendo assim do Um preâmbulo ao ser ou, mais exatamente, ao existente. O Um faz surgir um «há», um «é isso!» como primeiro. Em … ou pire, em 1972, Lacan formaliza seu famoso Há-Um, a partir de sua leitura do Parménide, introduzindo lá o que nós temos costume de chamar em nosso campo o último ensino de Lacan. «O Parménide, é o Um que se diz»11, nos ensina Lacan.
O quadro reiterado de Poliakoff «é isso!», e sustentando este ponto de ressonância platônica, nós podemos dizer que de alguma forma, em Poliakoff, o quadro é o Um que se pinta. A criação abstrata do artista, enquanto sinthoma, é pura iteração do Um.
A iteração é o que sustenta a ação do Há-Um, do real, no falasser. Há-Um é um nó de gozo, opaco, sem sentido, que não cessa de se escrever. É uma fórmula que se repete com insistência. Isso «itera sem rima nem razão»12, precisa J.-A. Miller em seu curso «O Ser e o Um». A iteração do Um, de um pedaço de real, é uma escritura. Ela cerne o inominável que se manifesta no silêncio. O sujeito por este ponto de real que escapa a toda articulação da linguagem tem acesso a uma certa serenidade, à recuperação de uma homeostase superior. Este Há-Um, uma espécie de refrão singular da felicidade, é orientado pelo é isso! Como o ressalta J.-A. Miller: «A repetição, não é isso, isso falha e isso se repete; a iteração, ao contrário, é tão isso…»13 Atrás da repetição, o automaton, que falha, há Um! Repetindo, o que o sujeito não falha é o puro movimento de repetição, é o ato de repetir. E é neste repetindo, nesta pura iteração que o gozo tem sede. Este gozo do mesmo, que visa a homeostase, Lacan o chama de o Um de gozo.
«Um quadro, três quadros, mil quadros…»14 é o sinthoma como e etc de Poliakoff. Pintando, ele repete incansavelmente Um-quadro, e é esta pura iteração que faz sua arte. Tal como Le Parménide de Platão, nos quadros de Poliakoff «é o Um que se diz».15
Parménide (Poliakoff & Schneider XIX-XXVI).
5. Poliakoff S., em le livre d’or du marchand de couleurs Estève, 1968.
6. Lacan J., Le Séminaire, livre XIX, …ou pire, op. cit., p. 158.
7. Ibid., p.161.
8. Poliakoff S., carnet de Pensées, Saint-Gall, Éditions Im Erker, 1973.
9. Poliakoff S., Poliakoff Le rêve de formes, Beaux Arts éditions, Paris, 2013, p. 36.
10. Platon, Œuvres complètes, Paris, Gallimard, 1950.
11. Lacan J., Le Séminaire, livre XIX, …ou pire, op. cit., p.185.
12. Miller J-A., « L’orientation lacanienne. L’être et l’Un », lição de 4 de maio de 2011, inédito.
13. ibid., lição de 30 de junho de 2011.
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Psicanálise e homossexualidade no século XXI
Quinta-feira, 3 de abril,
noite «Gênero e psicanálise» l’Envers de Paris
Como se diz hoje, o pai da psicanálise era « simpatizante ». Aquelas e aqueles que se autorizam de Freud e do retorno a Freud, de Lacan, o sabem. Mas podemos dizer a psicanálise heteronormativa, o censura de ter estigmatizado condutas consideradas como desviantes. Ela queria tratar e trazer de volta (entenda straight) caminho certo dos que saem das fileiras da dita «maturidade sexual». Aliás, ainda hoje, alguns de seus praticantes se escondem atrás da ordem simbólica para assentar uma moral. Entre eles, alguns estimam que autorizar os amores «contra a natureza» para formar uma família, colocaria a sociedade inteira em risco. Outros, chorando o declínio do Édipo, preferiram se agachar em sua silenciosa atenção flutuante e não tomam partido, diante da legalização para o casamento dos amores homossexuais.
Considerar a psicanálise sob este ângulo é perder aquilo que ela tem de inerentemente subversiva, por não anular a solução singular de um falasser face à não relação sexual, em uma norma que se aplicaria para todos.
Dizer Freud «simpatizante» é o dizer aberto, sem, contudo, ser militante. Mas, sobretudo, capaz de tranquilizar uma mãe desesperada frente às inevitáveis tendências de seu filho, capaz de afrontar as respostas incisivas da jovem homossexual, pronto também para acolher entre seus alunos os chamados «invertidos». Resumidamente, convencido a se interrogar sobre a não-evidência da heterossexualidade. Sempre pronto a apreender, caso a caso, como o reencontro com o sexual vem fazer trauma.
Duas recentes publicações, oriundas do trabalho de membros da Escola da Causa Freudiana, testemunham tal estado de espírito. Eles assinalam uma orientação, em um momento em que os debates sobre a questão do gênero e da sexualidade estão em pauta. Elas escolheram (Elles ont choisi), artigos coletivos supervisionados por Stella Harrison, e Homoanalisante (Homoanalysants) de Hervé Castanet, interrogam a questão do desejo e do gozo, respectivamente, nas mulheres que amam as mulheres e a partir de alguns casos de homens que amam os homens – sem o intuito de tirar conclusões classificatórias. Estes dois livros são, ao mesmo tempo, clínicos, teóricos e políticos. Eles mostram até que ponto os psicanalistas lacanianos não se detém nos preconceitos próprios ao discurso corrente. Eles indicam como se enovela o encontro com um psicanalista no século XXI, por aqueles que se dizem homossexua-is (homosexuel-le-s)#. Em suma, eles sugerem as modalidades de uma clínica própria a nossa época.
L’Envers de Paris desejou reunir, portanto, os dois autores destas obras em uma noite especial. Stella Harrison e Hervé Castanet esclarecerão as razões que os levaram a desvendar um pedaço de real de cura realizadas por elas «que escolheram» e por aqueles que H. Castanet chama, com Jacques-Alain Miller, os «homoanalisantes». Se existe uma clínica própria à nossa época, será que há por isso uma clínica específica? O que ela ensina sobre o corte próprio à descoberta do inconsciente? Quais mudanças operam ali, tanto do lado do analista, quanto do analisante? Durante uma discussão com Marie-Hélène Brousse, Flavia Hofstetter e Fabrice Bourlez, eles disseram como estas escolhas de vida estão ligadas à orientação lacaniana, quanto à questão da sexuação e no que diz respeito cada vez mais perto ao desejo porque «é aí que Freud reabre à mobilidade de onde surgem as revoluções, a articulação entre verdade e saber»1.
1. Lacan J., «Dialectique du désir et subversion du sujet», Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 802.
# Nota de tradução: a grafia da palavra homosexuel-le-s evoca tanto o masculino e o feminino no singular, quanto no plural. Não é possível transpor a tradução para a língua portuguesa.
Quinta-feira, 3 de abril de 2014 às 19h30,
American University of Paris,
31, Avenue Bosquet, Paris 7e
Reserva obrigatória através de [email protected]
En finir avec Eddy Bellegueule ou o nome como insulto
por Frédérique Bouvet
Lançado em janeiro, o primeiro livro de Édouard Louis, En finir avec Eddy Bellegueule,1 encabeça as vendas. É. Louis, vinte e um anos, estudante de sociologia na Escola Normal Superior, vai de estúdios de tv a encontros em livrarias para falar de seu livro, do qual ele não esconde o caráter autobiográfico. Outros antes dele, como Annie Ernaux2 ou Lionel Duroy3, se depararam com o fato de ter escrito sobre eles mesmos e sobre seus próximos sem ter percebido o lado ficcional «cuja relação com a verdade fica sempre problemática […] uma leitura da história de um sujeito, uma interpretação disso que aconteceu com ele»4. É. Louis, sem recorrer ao semblante, não evitou as polêmicas5 em sua cidade na Picardie, escrevendo sobre ele, criança, afeminado, homossexual6. Se nós não podemos escapar de uma análise sociológica do autor, como explicar o sucesso deste livro?
Ele é o primeiro filho do casal, nascido após um aborto – sua mãe já tinha dois filhos de uma união anterior. Seu pai desejava uma filha. Este fato tem sua importância, enquanto É. Louis pensa ter nascido assim. Desde que ele começou a falar, sua voz teria adotado entonações femininas7 e ele teria « condutas » que atraiam o olhar. É, parece-lhe, um ponto de certeza para ele. Pequeno, ele roubava os vestidos de sua irmã para desfilar mas era o único espectador. Ele se achava, então, bonito. Passado o que ele chama um momento de euforia, esta criança se achava sujo por causa da roupa de menina, com nojo de si mesmo e mesmo tonto com este espasmo de loucura, que o teria levado a se travestir8. Ele não iria parar de lutar contra sua posição e de querer combater sua «anormalidade». Ele modifica seu corpo, engorda vinte quilos em um ano, joga futebol. Ele tem uma ideia fixa : fazer de seu irmão mais novo, Rudy, um heterossexual9 para que não seja como ele. Em resumo, ele quer ser «normal» e se defende de um real10. Mas não é possível mudar de posição sexual pelo método Coué!
O que surpreende lendo a quarta capa, é a relação de É. Louis com o Outro: «Na verdade, a insurreição contra minha classe social, seu racismo, sua violência, seus hábitos, apenas foi secundária. Como antes de me insurgir contra o mundo de minha infância, é o mundo de minha infância que se insurgiu contra mim. Rapidamente, eu era para minha família e os outros, uma fonte de vergonha e nojo. Eu não tive outra escolha, a não ser a fuga».11 O que há de dizer?
Em seu curso de 29 de novembro de 1985, Jacques-Alain Miller coloca a questão da imigração via « o Outro de dentro»12. Para um sujeito, «este país estrangeiro é o seu país natal».13 Como então articular o Outro e seu real, elaborando uma estrutura de extimidade? O Outro não é o Um. É um absurdo querer que o Outro seja semelhante ao Um. A segregação, é o que está em questão sob o nome do racismo, seja «o ódio do Outro […] o ódio do modo particular de que Outro goza»14. E o livro de É. Louis o mostra através dos homens, das mulheres, dos heterossexuais, dos homossexuais, dos trabalhadores, de beneficiários da previdência social e de estrangeiros mesmo se o autor indica que ele viu sobretudo os últimos na televisão, durante sua infância. Ele começará se extrair do discurso parental sobre «os Negros e os Árabes» quando entra no colégio. Nós podemos supor que é o ódio do Outro e sua intolerância a seu gozo que é a origem do sucesso deste livro contemporâneo.
No colégio, É. Louis foi objeto de humilhação, zombaria, espancamentos e particularmente de dois meninos mais velhos. Jamais se queixou, achando um jeito para que ninguém soubesse. Faltar à escola foi sua recompensa, durante longo tempo. Um encontro com uma jovem da cidade, Laura, colocada em família substituta em um bairro vizinho, lhe permitirá ver-se de outra forma. Ele sairá com esta moça de má reputação sempre com o objetivo «de se tornar um rapaz»15. Ele se surpreendeu com o desejo de Laura por ele, mas ela o deixa por outro. Uma outra tentativa com uma menina mais velha, amiga de sua irmã, será um fracasso.
O teatro e sua entrada na escola em um bairro longe de sua casa lhe permitirão encontrar meninos diferentes, que não riem de seu nome de nascimento: «É um nome engraçado, Eddy, é um diminutivo, não? Seu verdadeiro nome não é Édouard? Bellegueule, é uma coisa para se chamar Bellegueule, as pessoas não riem muito […] é grande como nome».16 Este jovem vai manter este nome Édouard a partir de um novo discurso, que vai lhe servir de ponto de apoio, de ideal. Seu nome do pai, ele o rejeita. Sai Eddy Bellegueule, um insulto real que visa seu ser.
1. Louis É., En finir avec Eddy Bellegueule, Paris, Seuil, janvier 2014.
2. Ernaux A., Les armoires vides, Paris, Gallimard, 1974.
3. Duroy L., Colères, Paris, Éditions Julliard, 2011.
4. Stevens A., « Un enfant a t-il une biographie ? », Le savoir de l’enfant, Paris, Navarin, Collection de la petite Girafe, no2, p. 182-183.
5. Cf. Le Nouvel Observateur du 06 mars 2014.
6. Cf. Entretien avec É. Louis pour la librairie Mollat, https://www.youtube.com/watch?v=RsJznxDpCLA
7. Louis É., op. cit., p. 27.
8. Ibid., p. 29.
9. Ibid., p. 52.
10. Chiriaco S., Amour et haine de la norme, http://www.radiolacan.com/fr/topic/73/4
11. Louis É., op. cit.
12. Miller J.-A., « L’orientation lacanienne. Extimité » [1985-1986], enseignement prononcé dans le cadre du département de psychanalyse de l’université de Paris viii, cours du 29 novembre 1985, inédit.
13. Ibid.
14. Ibid.
15. Louis É., op. cit, p. 167.
16. Ibid., p. 217.
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Há 2 sexos, sobre Antoinette Fouque
por Romain Lardjane
O recente falecimento de Antoinette Fouque, co-fundadora do Movimento de Liberação das Mulheres, em 1968, e psicanalista que passou pelo divã de Lacan, oferece-nos a oportunidade de comentar sua posição inédita no debate contemporâneo com os estudos sobre o gênero.
Ela é uma das raras feministas que criticou os estudos sobre gênero – inspirados em Simone de Beauvoir, e teorizados, entre outros, por Judith Butler -, campo de pesquisa pluridisciplinar visando promover o gênero como uma construção social, como um semblante.
Como indica o título de seu livro Il y a 2 sexes, ela se coloca ao lado das feministas diferenciadas escrevendo que nascemos «menino ou menina»1, o que não impede de denunciar «a guerra unilateral e sem perdão contra as mulheres, escravizadas tanto por uma economia libidinal falocentrada (cambial e libertina) como por uma economia política capitalista (livre câmbio e ultraliberal)»2.
Mas a originalidade de sua posição consiste em situar « a famosa pequena diferença »3 entre os sexos não ao nível da presença ou ausência de um pênis, mas na possibilidade de engravidarem.
Ela adquiriu esta certeza no fato de sua experiência de gravidez, experiência que se ancora na «carne»: «Eu nasci menina e renasci mulher ao dar à luz uma menina, assumindo assim, apesar da opressão de todas as instituições simbólicas (reforçadas pela ditadura de um certo feminismo), o destino psicofisiológico de meu sexo »4.
Procriar é a solução que lhe permite se colocar do lado mulher. Ela aceita esse destino anatômico na condição que ser mulher se caracteriza por um a mais em relação ao homem.
Ela extrapole esta pro-criação própria à mulher para promover a libido criativa própria às mulheres, contrapé evidente da libido masculina freudiana, e que não é sem lembrar o não-todo fálico do gozo feminino lacaniano.
Ela recusa o falocentrismo para levar adiante um ginocentrismo. No entanto, querendo tomar o avesso de um monismo fálico, ela faz uma revolução, ou seja, ela retorna ao mesmo ponto, se acreditarmos na equação freudiana criança=falo.
Assim, ela prossegue engajada em uma posição histérica que não falta «estabilidade»5. Ela tenta toda sua vida responder à questão histérica: O que é uma mulher? 6 Somente, ela tenta simbolizar a essência da posição feminina baseada na procriação que, segundo Lacan, escapa também « da trama simbólica»7!
Antoinette Fouque tende então a fazer consistir A mulher pela gravidez, o que a leva, além disso, a elevar a gestação a um idealismo sem limite, modelo da hospitalidade psíquica, modelo do dom sem dívida, protótipo de um altruísmo radical. Assim, ela é levada a se posicionar em favor da Gestação Para Outrem (Gestation Pour Autrui), resultado lógico de seu sistema de pensamento.
Ela se faz especialista do feminino ao se autoproclamar «feminóloga» e recusa o movimento feminista que faz da mulher um homem como os outros, rejeitando, assim, tanto o movimento, quanto a mulher.
Por toda sua vida, esta mulher tentou casar a psicanálise com o feminismo e mostrou ao seu modo que existe algo do real no gênero.
1. Fouque A., Il y a 2 sexes. Paris, Gallimard Le débat, réédition 2004, p. 55
2. Ibid., quatrième de couverture.
3. Lacan J., Le Séminaire , livre XIX, …ou pire, « La petite différence », Paris, Seuil, 2011, p. 13
4. Fouque. A., op. cit., p.57
5. Lacan J., Le Séminaire, livre III, Les Psychoses, « La question hystérique (II) », Paris, Seuil, 1981, p. 201
6. Ibid, p. 200
7. Ibid, p. 202
LIDO HOJE
por Jam
19 de março
Beebe e o bebê
Sobre uma conferência do Dr. Beatrice Beebe, psicanalista e pesquisador: através do uso de imagens de tela dividida que mostram o segundo a segundo interação entre mães de primeira viagem e seus bebês de 4 meses de idade, que são trazidos para o seu mundo emocional de uma forma visceral.
Podemos observar de perto os rostos , ritmos verbais e linguagem corporal da mãe e do bebê, e ver claramente que os bebês são capazes de interação social a partir do nascimento. Além disso, sentimos a sintonia requintado que algumas mães exposição, e como o par exulta em gozo mútuo de aprender sobre o outro. Nós os vemos combinando, um ao outro, os movimentos, sons e expressões faciais. Quando as coisas estão indo bem, a mãe e o bebê estão engajados em uma bela dança de prazer mútuo. Neste ponto da apresentação, aqueles de nós na platéia estão murmurando: « Ah-hh « .
Mas então, nos é mostrado uma outra mãe e bebê. À medida que percorremos as imagens segundo a-segundo, uma dinâmica excruciante diferente emerge. Sentimos ligeiro desconforto do bebê. Vemos a mãe ignorá-lo. Em vez de ler os sinais do bebê (que são óbvias nas imagens congeladas), a mãe tenta fazer seu bebê sorrir.
Por quê? A mãe, em sua insegurança, Dr. Beebe argumenta, precisa que o bebê sorria. Talvez isso vai fazê-la se sentir uma boa mãe . Ela começa uma série elaborada de movimentos, nenhum dos quais estão sintonizados com seu filho. Ela continua a sorrir, mas sem o saber, é quase rosnando . Ela belisca o nariz do bebê, ela move sua cabeça muito perto de seu filho. O bebê tenta se afastar, se sente o material de sua roupa em uma tentativa de auto- acalmar , move sua cabeça para o lado e, eventualmente, arqueia as costas. No entanto, a mãe está alheia a sua angústia. Descontente com as imagens da primeira mãe, desta vez na platéia mal conseguimos ficar parados em nossas cadeiras, tão intensa é a nossa identificação com esta criança, que sentimos o seu desconforto.
E assim, o Dr. Beebe diz, começa uma vida para essa criança de se sentir invisível, inédito e desconhecido. Dr. Beebe postula que ele poderia desenvolver o que é conhecido como « apego desorganizado », exibindo um comportamento de aproximação/evitação simultânea . Ele está em conflito. Ele precisa de sua mãe, mas tem medo dela.» Artigo de Helen Davey, em Huffington Post, edição US.
E assim, o Dr. Beebe diz, começa uma vida para essa criança de se sentir invisível, inédito e desconhecido. Dr. Beebe postula que ele poderia desenvolver o que é conhecido como « apego desorganizado », exibindo um comportamento de aproximação/evitação simultânea . Ele está em conflito. Ele precisa de sua mãe, mas tem medo dela.» Artigo de Helen Davey, em Huffington Post, edição US.
20 de março
Freud e Francisco
O PAPA: «Não gosto das interpretações ideológicas, uma certa mitologia do papa Francisco. Quando se diz, por exemplo, que saio de noite do Vaticano para alimentar os mendigos de Via Ottaviano… Isso jamais me ocorreria. Sigmund Freud dizia, se não me engano, que em toda idealização há uma agressão.» Entrevista do Corriere della Sera, realizada por La Nación, de Buenos Aires (divulgada por G. Brodsky).
Lacancan
O Jornal Canard enchainé: «(…) Lacan em New York, em 1973. Ele quer visitar o Metropolitan Museum, que está fechado. Naquela época, seu nome não é ainda muito conhecido, então seus amigos o fazem passar por Jean-Paul Sartre! A recepção é em grande pompa, Lacan fica orgulhoso, sem identificar o subterfúgio (…)» Artigo de Rolin sobre um livro de P. Roegiers (transmitido por Fr. Donovan). [De fato, Lacan estava lá em 1973, e seu nome era pouco conhecido nos Estados Unidos. Querer abrir o Met no dia do encerramento seria bem a seu modo. Em compensação, que um administrador bastante culto para conhecer o nome do Sartre tenha ignorado a fisionomia deste, será que é verossímil? Tiveram que apresentar Lacan comparando com Sartre. Uma « hospitalidade pródiga »? Talvez, alguém o orientou. Quem «fica com orgulho»? Não é mais o contador da anedota? E o que dizer destes « amigos » de Lacan, que se vangloriam de enganar e de ridicularizar todo mundo? Bem feito!]
21 de março
Transferência de trabalho
A mãe de Inés de la Fressange: «Para pagar as sessões com Lacan, a bela Argentina desfilará para Guy Laroche.» Les Echos (acima: Inés de la Fressange).
Lacan Cotidiano
publicado pela editora navarin
INFORMA E REFLETE TODOS OS DIAS A OPINIÃO ESCLARECIDA
comitê de direção
presidente eve miller-rose [email protected]
redação catherine lazarus-matet [email protected]
conselheiro jacques-alain miller
redação
coordenação catherine lazarus-matet [email protected]
comitê de leitura pierre-gilles gueguen, catherine lazarus-matet, jacques-alain miller,
eve miller-rose, eric zuliani
edição cécile favreau, luc garcia, bertrand lahutte
equipe
pelo institut psychanalytique de l’enfant daniel roy, judith miller
pour babel
-Lacan Cotiniano na argentina e sudamérique de língua espanhola graciela brodsky
-Lacan Quotidien no brasil angelina harari
-Lacan Quotidien na espanha miquel bassols
-pour Latigo, Dalila Arpin et Raquel Cors
-pour Caravanserail, Fouzia Liget
-pour Abrasivo, Jorge Forbes et Jacques-Alain Miller
diffusion éric zuliani
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[email protected] uma lista sobre a psicanálise de difusão privada e promovida pela associação mundial de psicanálise (amp) em sintonia com a escola brasileira de psicanálise moderadora: patrícia badari tradução lacan quotidien no brasil: maria do carmo dias batista.
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• Atenção autores
As propostas de textos para uma publicação no Lacan Cotiniano devem ser dirigidas por email (catherine lazarus-matet [email protected]) ou diretamente no site lacanquotidien.fr clicando sobre « proposez un article »,
Em arquivo Word Fonte: Calibri Tamanho dos caracteres : 12 Espaçamento entre linhas: 1,15 Parágrafo : Justifié Notas : manuais no corpo do texto, ao final deste, fonte 10 •
•Atenção autores & editores
Para a rubrica Critique de Livres, queiram endereçar suas obras para NAVARIN ÉDITEUR, la Rédaction de Lacan Quotidien – 1 rue Huysmans 75006 Paris. •
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Tradução: Ana Martha Wilson Maia
Comunicação: Maria Cristina Maia Fernandes
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