Quarta-feira, 16 de abril de 2014 – 11h00 [GMT + 1]
NO. 394
Eu não teria faltado a um seminário por nada no mundo — Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolha — Agnès Aflalo
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– Vaticano –
« Mammismo »
Anulação de casamento por causa de mãe excessivamente presente
Anulação de casamento por causa de mãe excessivamente presente
por Francesca Biagi-Chai
As 44as Jornadas da ECF tratarão, em novembro de 2014, do tema «Ser mãe. Fantasias de maternidade em psicanálise». Fantasias, delírios, traumatismos são, nós sabemos, o aguilhão constante das ações humanas ou de seus avessos, os impedimentos, inibições e sintomas.
Esses mesmos sintomas com seus gozos paradoxais, constrangedores, desestruturantes e destruidores fizeram sua entrada, desde o pontificado do papa Francisco, nos tribunais eclesiásticos, a fim de fazer um julgamento, digamos, moderno das demandas de anulação de casamento.
Se a Igreja Católica não reconhece o divórcio, ela admite desde sempre sua anulação graças à qual é permitido refazer uma virgindade religiosa concernindo esse sacramento. Sacramento que, se ele foi concluído e consumado, não pode ser dissolvido por nenhuma razão a não ser a morte. Se ele não foi consumado, ele pode ser dissolvido pelo Pontífice romano por inaptidão ao laço conjugal, a impotência sendo a causa válida por excelência desde sempre. Garante da manutenção do dever e das exigências do amor conjugal, a Igreja entra na vida íntima dos esposos. Estes se engajam livremente (desde o século 11 com o Papa Alexandre III) no casamento através da aceitação da fidelidade da fecundidade. Quando causas de invalidade são descobertas se abre então um processo de anulação. Essas causas evoluíram e se estenderam à ausência de liberdade, ao constrangimento, à falta grave de lucidez sobre a significação do engajamento, aos problemas psíquicos, às adições e à impotência. Uma causa nova, para a qual um neologismo foi especialmente criado, se acrescentou à lista: «il mammismo».
«Il mammismo», traduzamos isso com essa escrita que lhe dá sua dimensão social, tendência: mamm-isme. A definição é dada pelo Vigário judicial do tribunal da Ligúria, monsenhor Paolo Rigon, em sua apresentação introdutória à abertura do ano judicial eclesiástico: «O mammista é uma pessoa para quem toda escolha, toda mudança em sua vida deve necessariamente passar pela aprovação materna que, de fato, se torna o verdadeiro parceiro, enquanto que o cônjuge não é senão um substituto, e isso sem a vontade de se separar disso». É um sinal forte. O monsenhor Rigon se dirige àqueles que não conseguem cortar o cordão umbilical que os liga à mãe (ou a um dos pais, o que é notável pois a Igreja demonstra assim que ela concebe que um pai possa ter um aspecto de mãe. Ela concebe o gozo para além da diferença dos sexos, e o maternal como uma infinitização desse gozo, fora de sentido e sem cortes. «O mammismo autoriza a mãe ou o pai a pontificar sobre tudo, as consequências disso são desastrosas, isso conduz a uma dependência que invalida gravemente a vida conjugal». A marca que a infância deixa não é estrangeira ao Vaticano: «Essas pessoas são incapazes de praticar os deveres conjugais e de casal por causa das modalidades de vida que se realizaram na infância, na adolescência e na juventude». O impacto sexual, em suas «incidências nefastas» sobre o cônjuge, é claramente evocado e ligado à infância.
Desde 2013, sob o impulso do papa Francisco que avançou que a Igreja devia tomar o ar da época, a inteligência, a vontade e a liberdade, pilares da comunidade de vida, podem ser ameaçados por diversas formas de dependências: irrepreensível infidelidade do viciado, droga, álcool e, a partir desse ano, mammismo.
À consultar:
– O juiz e o pai –
Um pai, terceiro digno de confiança
por Michel Grollier
Numa época em que o pai está em questão, nossa sociedade e seus meios jurídicos penam para se orientar. Para a psicanálise, trata-se de um pai, encontro com o qual a criança deve construir o que pode inscrevê-la no laço social. A partir dos traços tomados nesse encontro dependerá o que dará, por um lado seu estilo ao sintoma, ou, de outro lado, seu conteúdo aos retornos no Outro com o qual o sujeito vai ter que se haver. Mas para quem, por que, pode se tomar um pai moderno? Que marca se retoma do gozo que o orienta? Para além da imagem do educador, aquela do genitor não é mais tão garantida. É uma história das mais modernas contadas em parte num artigo do Point.fr1. Um homem reconhece o filho de sua companheira, lhe dá seu sobrenome e o educa até a briga que leva à separação do casal. A mãe, então, se fundamentando no artigo 332 do código civil2, contesta a paternidade do seu ex, e pede um exame genético. Vocês acreditam que ele ocorreu? Cada um teve a confirmação que nenhum laço biológico ligava o homem à criança. Ele foi então recusado como pai, a criança perdendo seu sobrenome e os laços com esse homem. Algum tempo depois, a mãe descompensando e se encontrando hospitalizada por muito tempo, os magistrados tiveram que encontrar um lugar para a criança. O juiz teve então a ideia de colocar a criança na casa de um terceiro digno de confiança, que conhecesse a criança, o homem que viu seu estatuto de pai ser retirado…
A história continua ainda atualmente, já que uma associação representando os interesses da criança apelou do primeiro julgamento para restabelecer um laço de filiação entre a criança e esse homem. Eles continuam com a ideia de que um laço estabelecido sobre a base de um desejo assumido vale mais que um coeficiente genético. Vemos assim que a noção mesma de toxicidade potencial de um pai não é o argumento maior de um julgamento sobre o que é um pai… Na mesma ordem de ideia, o artigo nos ensina que « em dois casos de 2012, a corte europeia dos direitos humanos julgou que o pai biológico que viu o estabelecimento de sua paternidade ser recusado contestando aquela do pai legal poderia entretanto manter relações com a criança através de um direito de visita, sem, no entanto, fazer cair a filiação ».
Coloca-se a partir daí uma questão entre a noção de filiação e a função de pai. Por falta de uma noção garantida sobre o que é um pai, o real da ciência se impõe como verdade e, portanto, sem ponto de apoio significante. Esta questão ignora a fala do sujeito para fazer entrar em jogo a dimensão de um real biológico. Mas este não basta evidentemente para dizer o pai. O ato do magistrado que faz do ex-pai um terceiro digno de confiança mostra a dificuldade de nossa sociedade, da qual a justiça testemunha, para definir o pai. E é cada vez mais claro que esse estatuto do pai é colocado na berlinda, como mostram os múltiplos procedimentos engajados nas separações litigiosas. Com qual palavra têm então que se haver todos esses pequenos sujeitos que vêm esse parceiro se apagar ou mudar de estatuto, frequentemente a partir da palavra da mãe? E o que reclamam esses pais, às vezes prontos para se internar em lugares improváveis, como em Nantes no alto de um guindaste de obras3…
1Le Point.fr – Publicado em 14/03/2014 à 08:09
2 O artigo 332 do código civil estabelece, entre outras coisas, que a paternidade pode ser contestada a partir da prova de que o marido ou o autor do reconhecimento não é o pai.
3 Em referência a uma notícia de 2013.
O olhar, o capacete e a cabeça(I)
por Dominique-Paul Rousseau
Em O homem que amava as mulheres (filme de François Truffaut, 1977) e que olhava as pernas delas (isso lhe custará a vida), Bertrand Morane, o herói, se inquieta, enquanto que seus congêneres masculinos se regozijam: as saias subindo até o seu minimum não poderão a partir de então senão baixar. E, com efeito, surgindo em Londres em plena onda dos sessenta, em 1965, a minissaia vai conhecer uma inversão completa de tendência quando lá pelo fim de 1968 o look hippie impõe as saias longas «cigana».
É também o caso do olhar: depois de seu auge demonstrado em O olho absoluto de G. Wajcman (Denoël, 2010), que sequência defensiva dar a esse olho imortal? «A inversão de tendência completa» é percebida no «uso obrigatório de capacete» na cena do mundo em 2014. Com efeito, o capacete protege dos objetos penetrantes e das abrasões provenientes do real.
Nosso presidente da República provavelmente pensou passar despercebido com seu capacete quando de suas escapadas noturnas para visitar uma mulher que ele ama… Erro! Pois dissimular seu rosto sob um capacete é o meio mais seguro de se fazer notar em nossos dias!…
Vejamos os artistas que, sempre, nos precedem. Os Daft punk compreenderam isso muito bem: eles fazem regularmente o buzz da web e o sucesso planetário de Get lucky, cinco vezes indicado para o Grammy Awards de 2014, é a demonstração disso. « Havia uma vontade de permanecer anônimos por razões pessoais e que se ligavam à música instrumental»1, declaram Guy-Manuel de Homem-Cristo e Thomas Bangalter. Jean-Pierre Claris de Florian (1755-1794) disse: « Para viver feliz, vivamos escondidos»… em nossos capacetes (2014).
É ainda mais cheio de ensinamentos o caso de Cascadeur, cantor pop que usa um capacete branco que tem uma estrela vermelha estampada sobre ele. «… querendo fugir do problema da imagem, diz ele, e querendo me tornar um outro, então, eu desenvolvo uma outra imagem… e tudo isso dinamita completamente meu problema, afinal de contas!», e ele acrescenta: «… eu não tenho de forma alguma a impressão de representar um personagem. Eu não sei se sou um verdadeiro cascadeur (dublê), mas em todo caso, eu sou Cascadeur tal como eu o imagino, e eu me sinto bastante livre. Estou quase ao pé da letra quando estou no palco, de fato».2 «Cascadeur» cai num abismo de imagens de «pequenos outros»: o paradoxo é que se dissimulando, ele aparece «ao pé da letra». Desembaraçado da dialética do «verdadeiro dublê» ou do falso, quer dizer liberado do Outro, ele se sente «bastante livre». …Muito contemporâneo. Ele «talhou um terno» para si mesmo, sozinho, e, juntando-se a Valéry para quem «o que já de mais profundo no homem é a pele», ele se torna «um outro», quer dizer um «Um» sozinho e não um Outro, com O maiúscula. É uma solução que poderia se mostrar frágil, pois, à força de atravessar as imagens, acaba-se por atravessar o espelho tal como Orfeu (filme de Jean Cocteau, 1950).
Para que lhe serve então esse capacete equipado de sua viseira negra, completada por uma combinação branca, luvas imaculadas, botas? No vídeo Ghost Surfer3, Cascadeur ama uma mulher e se torna pai, ou seja duas «cascades (execução de cenas perigosas no cinema)» da vida onde se leva inevitavelmente golpes.
Uma questão é, portanto, saber como o sujeito pode ainda se exibir aos olhos do Outro que o «vê de todas as partes» e ainda mais quando esse Outro não existe mais em nossos dias? «Quebra-cabeças»… A solução consiste em utilizar uma outra variante do capacete, a saber, o saco, para enfurnar nele sua cabeça. Aliás, Shia Labeouf fez isso! O ator americano de Paranoiäk e Transformers apareceu no último festival de Berlim em 9 de fevereiro de 2014, com um saco de papel marrom sobre a cabeça com a inscrição I am not famous anymore: «Acusado de plágio, o comediante americano faz o papel das vítimas se querendo provocador « metamoderno ». Vocês não entenderam nada? Nós também não.», pode-se ler em teleram.fr
De cara, poder-se-ia propor uma primeira versão contemporânea da Santa Lúcia de Francesco de Zurbaran (1636) – que Lacan evocou4 – para fazer aparecer ao modo do século 21 o objeto a olhar: ela usaria um capacete à la Daft punk e colocaria sobre a bandeja de couro, no lugar do par de olhos, duas câmeras de vigilância…
A seguir, a parte II, …
http://www.programme-tv.net/news/people/47810-pourquoi-daft-punk-portent-casques/
2 www.zyvamusic.com/cascadeur-zyva-interview-ninkasi-kao, 3 février 2012
3 Disponível em Youtube.com
4 Lacan J., Le Séminaire, livre X, L’angoisse, Seuil, Paris, 2004, p. 191.
LIDO HOJE
por P-G Guéguen
por P-G Guéguen
13 abril
Good Heavens; Really?
«O Conselho família e sociedade da Conferência dos bispos havia convidado no dia 19 de março, para uma jornada nacional de formação dos delegados diocesanos encarregados da família, Fabienne Brugère, discípula ativa da « teoria do gênero » Judith Butler… Ela deveria certamente falar sobre outros assuntos, mas isso provocou um clamor, constrangendo o Monsenhor Jean Luc Brunin, bispo de Havre e presidente dessa estrutura, a desmarcar essa conferência.»
Le Figaro, artigo de Jean-Marie Guénois.
14 abril
A better future democracy…Really?
Edward Snowden declara:
« I am grateful to the committee for their recognition of the efforts of those involved in the last year’s reporting, and join others around the world in congratulating Glenn Greenwald, Laura Poitras, Barton Gellman, Ewen MacAskill and all of the others at the Guardian and Washington Post on winning the Pulitzer Prize for Public Service. Today’s decision is a vindication for everyone who believes that the public has a role in government. We owe it to the efforts of the brave reporters and their colleagues who kept working in the face of extraordinary intimidation, including the forced destruction of journalistic materials, the inappropriate use of terrorism laws, and so many other means of pressure to get them to stop what the world now recognises was work of vital public importance. This decision reminds us that what no individual conscience can change, a free press can. My efforts would have been meaningless without the dedication, passion, and skill of these newspapers, and they have my gratitude and respect for their extraordinary service to our society. Their work has given us a better future and a more accountable democracy. » The Guardian, US édition.
15 abril
Real-mente.
« Como definir o real ? O que você sente, vê, sente o gosto ou respira, não é nada além de impulsos elétricos interpretados pelo seu cérebro. » Morpheus em The Matrix, Wikipedia.
Será isso bem real ?
«Le Cavaliere não se deu tão mal. O tribunal de aplicação de penas de Milão confirmou, na quarta-feira 15 de abril, que Silvio Berlusconi cumprirá sua condenação a um ano de detenção sob a forma de trabalhos de interesse geral. Ele havia sido condenado definitivamente em agosto último a quatro anos de prisão (dos quais três foram anistiados) por fraude fiscal.
Segundo a imprensa italiana, o antigo presidente do conselho italiano de 77 anos poderia trabalhar uma vez por semana em um centro de cuidados para pessoas idosas na Lombardia, região que ele não poderá, aliás, deixar.» Vanity fair, ed.francesa.
Orientado para o real…
«No mês de maio de 2013, quando de um discurso sobre o contra-terrorismo na universidade de defesa nacional, uma mulher chamada Medea Benjamin interrompeu Obama com veemência para denunciar os ataques de drones e pedir o fechamento da prisão de Guantánamo. Enquanto alguns espectadores tentavam recobrir sua voz com seus aplausos – e a segurança tentava levá-la para fora – Obama veio em seu socorro invocando a liberdade de expressão: « É preciso escutar a voz dessa mulher !» Artigo de David Remnick , Vanity fair, ed. francesa.
Lacan Cotidiano
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