E d i t o r i a l
Márcia Mezêncio
A memória, e não apenas o lixo, é uma das finalidades da publicação. E a escrita, mesmo que rasurada ou censurada, é um recurso para nos aproximarmos e tratarmos do real impossível de suportar. Almanaque on-line mantém sua tradição de ser a memória do que se produz no IPSM-MG e o registro do projeto de trabalho que se lança a cada ciclo, a cada semestre.
Em sua edição número 13 esse trabalho sobre a memória se estende. Não poderíamos deixar de registrar o momento em que se “comemora”, no Brasil, os 50 anos do golpe militar de 1964 e, para que a história não se repita, busca-se escrevê-la, resgatar memórias, reparar o texto rasurado e suspender a censura em testemunhos públicos. Questão que ressoa com o tema de trabalho no contexto do Campo Freudiano e na Seção Clínica do IPSM-MG, em particular, e que consideramos não ser sem consequências para a prática da psicanálise no Brasil e para os contornos do trauma nos corpos e da violência em nossas cidades.
Esse registro poderá ser lido na rubrica Entrevista, dessa vez com múltiplas vozes. Almanaque on-line conversou sobre as Clínicas do Testemunho com Jorge Pimenta, Lucíola Macêdo, Maria Clara Pêgo e Simone Pinho Ribeiro – integrantes do cartel de mesmo nome inscrito na EBP – que tem trabalhado sobre essa proposta de reparação do Ministério da Justiça, a partir dos conceitos psicanalíticos de trauma, esquecimento, memória, atravessamento. Vocês verão que o significante “testemunho” nos permite, mais uma vez, enlaçar psicanálise aplicada e psicanálise pura.
Essa entrevista conversa ainda com o artigo de Guillermo Belaga, que abre a rubrica Encontros. O autor reflete sobre como a psicanálise se situa para operar frente a um vazio subjetivo, consequência de um trauma individual e social (a ditatura militar na Argentina) e nos alerta para o risco de prevalecer uma lógica do asilo e da proteção na assistência que algumas instituições oferecem ao sujeito, o que não possibilitaria uma mudança em sua posição subjetiva. Belaga, mais-um do referido cartel, reafirma o conceito de trauma do nascimento, relativo à entrada na linguagem, cuja elaboração inaugura a psicanálise, e o enlaça ao conceito de trauma como acontecimento, contingente e que se refere às irrupções do real na experiência de um sujeito.
A orientação deste número, encontrada em Trilhamento, começa com um artigo de Miquel Bassols, convidado internacional do XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, que irá se realizar em novembro próximo em Belo Horizonte. Tomando o trauma da linguagem como fundador da experiência, ele o apresenta ainda como real e incurável. Essa questão é abordada também por Sandra Espinha, em particular na clínica com crianças, em texto que investiga a conexão direta entre o corpo e a linguagem, trabalhando a partir da afirmação de Lacan de que a linguagem intervém sempre sob a forma do real de lalíngua e de que é a esse real que a criança é, primeiramente, e de maneira bruta, confrontada.
Com Jeaninne Narciso e Maria Rita Guimarães retomamos, em Incursões, a clínica com crianças. A primeira tece considerações em torno do que constitui o comentário e a construção dos casos nos quais o sintoma social da época, a violência, marca a vida de crianças. O trabalho de Maria Rita interroga a parceria contemporânea dos pais com a ciência e o efeito sobre as crianças das novas configurações da paternidade e maternidade na atualidade em que novas ficções científicas e jurídicas são necessárias para dizer o que são pai e mãe.
Uma outra abordagem da ciência é o que nos apresenta Lucíola Macêdo, em texto no qual, a partir do tema “A ciência e a escrita do delírio”, escolheu comentar o livro Ô fim do cem, fim…, de Paulo Marques de Oliveira, e trechos do documentário “O fim do sem fim”, de Cao Guimarães, inspirado nos desenhos e escritos do primeiro, e que tem como pano de fundo o desaparecimento de certos ofícios e profissões no Brasil. Toca-se aqui nos temas da memória, da letra, da poesia…
Ainda nessa rubrica, outros trabalhos também elaborados no âmbito das atividades da Seção Clínica. Bruna Albuquerque aborda, a partir do conceito de identificação, a função do adulto no sistema socioeducativo e os efeitos do encontro entre adulto e adolescente, no corpo a corpo da rotina institucional, para o cumprimento de uma medida socioeducativa. Cleyton Andrade discute alguns aspectos do tema da toxicomania, principalmente a respeito do lugar ocupado pelo corpo, orientando-se por elementos da clínica das psicoses.
Essas interrogações sobre a clínica da toxicomania serão também encontradas nos artigos de Fabián Naparstek, em Encontros e de Adriana de Vitta na rubrica De uma nova geração. Naparstek aborda o uso de uma substância, a partir da ideia de que esta tem, para cada sujeito, uma função específica, podendo se situar do lado do remédio e/ou da ruína. Adriana investiga a função tóxica na clínica das psicoses e o modo como poderíamos pensar a direção do tratamento das toxicomanias e alcoolismo nessa clínica.
Renovamos nosso convite não só à leitura, mas aguardamos também que estes escritos provoquem outros. Sua participação e contribuições serão acolhidas com muito gosto!
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T r i l h a m e n t o
Artigos, resenhas e textos
I n c u r s õ e s
Textos teóricos e clínicos
Crianças à deriva: reflexões sobre a construção, o comentário de casos e a transmissão da psicanálise – Jeannine Narciso arquivo em PDF
Pais e mães atuais: a ciência como partenaire – Maria Rita Guimarães arquivo em PDF
“Os alicerço da terra”: notas sobre Ô fim do cem, fim… – Lucíola Freitas de Macêdo arquivo em PDF
Ver o circo pegar fogo: o que você está olhando? – Bruna Albuquerque arquivo em PDF
Insensatez do corpo e retalhos na carne – Cleyton Andradearquivo em PDF
E n t r e v i s t aContribuição sobre o tema
Cartel Clínica do testemunho Integrantes: Jorge Pimenta, Lucíola Macêdo, Maria Clara Pego, Simone Pinho e Guillermo Belaga (mais-um)arquivo em PDF
E n c o n t r o sContribuições teóricas e clínicas sobre o tema
Incidências da Psicanálise nos dispositivos públicos – Guillermo Belaga arquivo em PDF
Função tóxica na clínica da psicose: remédio e/ou ruína? – Fabián Naparstek arquivo em PDF
D e u m a n o v a g e r a ç ã oProduções dos alunos
Função tóxica na clínica das psicoses – Adriana Renna de Vita arquivo em PDF
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