Quarta-feira, 19 de setembro de 2012, 12h [GMT+1]
NÚMERO 232
Eu não teria perdido um Seminário por nada no mundo— Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolha — Agnès Aflalo
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▪ Um panfleto contra o uso da Ritalina nos Estados-Unidos ▪
Por Franck Rollier
O New York Times, na edição de 18 de agosto de 2012 publicou um artigo na coluna de opinião livre contra o diagnóstico de hiperatividade e o uso exponencial da Ritalina para as crianças americanas. A autora, Bronwen Hruska, jornalista e escritora, escreveu esse panfleto como mãe de família, o que a levou a denunciar, a partir sua experiência pessoal, esse diagnóstico imediatista, assim como o culto à normalidade e ao rendimento escolar. Ela chama a atenção sobre o aumento vertiginoso do número de crianças diagnosticadas com distúrbio de atenção ou de hiperatividade: 5,5 % a mais cada ano entre 2003 e 2007, e somente no ano de 2010 mais de 5 milhões de jovens americanos detectados como portadores desse distúrbio: são 8,4 % de crianças entre 3 e 17 anos. A essa lógica do número, a autora opõe a história de seu filho e suas próprias contestações à instituição escolar e à medicina.
Quando seu filho de 8 anos estava no 3ª série, ela foi alertada pela professora sobre os maus resultados de Will em matemática e geografia. De imediato a professora lhe sugere que um « simples medicamento poderia melhorar a situação», acrescentando que esse medicamento, a Ritalina, «faz maravilhas» e ajuda os alunos dispersos passarem de ano sem problemas. Inicialmente, a mãe, espantada, se opõe a essa prescrição escolar, já que nada no comportamento de Will lhe parecia justificá-la. Ela descreve seu filho como uma criança tagarela, mas pouco ansioso e cheio de energia como muitos de seus colegas. A professora dá um passo atrás, apressando-se a dizer que de fato a lei lhe proíbe sugerir um tratamento medicamentoso, mas que os pais fariam bem em avaliar seu filho por um profissional!
Podemos adivinhar, a psiquiatra que consultaram conclui pela existência de hiperatividade e de um distúrbio de atenção (T.D.A.H.) e Will vai engrossar as taxas da “geração Ritalina ».O diagnóstico é dado depois de uma entrevista com a criança e o preenchimento de questionários pelos pais e professores – estes últimos precisaram dar a notação de 1 a 5 para comportamentos tais como « se contorcer » sobre a cadeira (squirminess). O pediatra de família confirma o diagnóstico e a necessidade do tratamento com Ritalina, que, para espanto dos pais, deve ser tomada apenas nos dias de aula. O médico aumenta a posologia até que os docentes atestem os resultados e que Will declare que nos exercícios de leitura, tem a impressão de estar «no interior do livro», concentrado a ponto de esquecer-se de falar com seus amigos… Isso inquieta seriamente sua mãe, assim como o fato de precisar medicar seu filho para que ele se torne um aluno perfeito. Dois anos mais tarde, as pílulas de Ritalina não fazem mais efeito; aumentam as doses, mas não adianta – na opinião do docente da 5º série, que parece não ter com a criança uma relação tão boa quanto a que ela tinha na 4º série. É Will que decidirá por fim ao tratamento, com o acordo de seus pais. Hoje na 7º série, ele, sua mãe nos assegura, é uma criança que vai bem e ama seus estudos.
A autora, que breve vai publicar um livro sobre esse assunto[1], não se contenta em revelar a situação de seu filho e sua resposta singular; ela denuncia a conivência do discurso escolar com o discurso médico em proveito do rendimento e de uma assim chamada « normalidade »; um discurso que os pais – obrigados pela culpa – têm muita dificuldade de refutar e com frequência se veem obrigados a sustentar.
Bronwen Hruska se documentou sobre os múltiplos efeitos secundários possíveis da Ritalina, e sobre suas outras indicações: além da hiperatividade é prescrita para tirar a fome. Então ela se pergunta: é preciso drogar as crianças para que sejam bons alunos? Ela relaciona a pressão do discurso do mestre e o empuxo-ao-medicamento, mas silencia sobre a responsabilidade e os interesses do lobby farmacêutico, que está ao mesmo tempo na origem da invenção do novo sintoma de hiperatividade e do medicamento como modo de erradicação[2]. Todavia ela aponta para o risco, pela adição na infância, dos alunos da «geração Ritalina», de buscarem uma pílula milagrosa para a primeira dificuldade séria que encontrem.
Uma questão se coloca: por que essa mãe de Nova York não teve a ideia de consultar um analista – ela que sustenta apaixonadamente que o desenvolvimento de cada criança é único e não dependeria de qualquer norma?
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▪ Resposta a Mireille B.
@battutm▪
Por Alain Gentes
@alintes
Cara Madame B.,
Sua carta me comoveu. “Mãe de criança autista: mais culpada do que a ABA”, publicada em LQ n°167, me parece ressoar com outra carta curta e densa, dando como você, sua humanidade à relação humana: aquela de Lacan, Jacques, endereçada madame Jenny Aubry na época da publicação de seu livro, Enfance abandonnée.Nota sobre a criança é o título dado por Jacques-Alain Miller nos Outros Escritos de Lacan. Não há nada de surpreendente nessa ressonância, quando conhecemos a preocupação de Lacan em se deixar ensinar por alguns outros, principalmente seus pacientes.
É preciso considerar a importância dada aos pais, no discurso TCC, como defesa contra os psicanalistas acusados de culpabilizar as mães ; para além de uma crítica ponderada, como uma oportunidade de rever o lugar que reservamos aos pais no tratamento de seus filhos. Se colocamos o acento no real que afronta a criança no presente, mais do que nos debruçarmos sobre a causa – forçosamente perdida –, abre-se necessariamente a via da parceria, os pais têm de fato muitas coisas a nos dizer sobre a modo de uma criança tratar o que há de insuportável, de impossível em sua existência. Sua carta testemunha isso. Gostaria, do meu lugar de praticante da psicanálise, de lhe comunicar sobre um encontro, o de uma criança considerada autista e seus pais, que acompanho há oito anos. Ah, certamente, não sou o único a intervir junto a Hector ; é e continua sendo a escola, o hospital, os auxiliares escolares, e certamente, os próprios pais. Por um pouco me esquecia o ator principal: o próprio Hector!
A cada vez que surgia a necessidade, nos encontrávamos com alguns ou vários para discutir sobre o enfoque clínico. Falei-lhes mais dos encontros com os pais durante o tratamento do que sobre o trabalho com Hector, de duas vezes por semana (cf. LPDJ n°16, « C’est ça! ») Relato-lhes simplesmente duas frases que demarcam como Hector se encontra atualmente. Criança muda e violenta aos quatro anos de idade, que hoje endereça pausadamente este enunciado a seu pai, « Eh papai, você está triste porque mamãe foi embora? », e a seu psicanalista, « Qual foi a primeira palavra que eu disse ? ».
No começo dessa história, os pais de Hector tinham urgência, não o aguentavam mais: queriam que alguém se encarregasse dele imediatamente, a qualquer preço, para os aliviar, os tranquilizar e lhes restituir a esperança de uma normalidade. O psicanalista foi escolhido por descarte, ele era o único disponível imediatamente no mercado das terapias. O pai me olhava vigilante e a mãe com mais simpatia. Ele queria me prender quanto à leitura, à escrita e ao cálculo – quando ele saberá ler ? contar ? escrever ? – enquanto ela queria, a principio, outra coisa: que seu filho não a agredisse mais! Se a sirene ABAtivesse andado por ali, a abraçariam sem dúvida!
E o que eu queria? Que essa criança fosse para eles, algo diferente de um ser maçante, de um destruidor. Que fosse um enigma, que vissem seu lado construtor, seu impulso em direção ao outro. A urgência a ser escutada antes de tudo não era a do Hector, que não existia, mas a de seus pais.
Isso começou desde a primeira sessão, com todos os quatro no consultório. Enquanto seus pais falavam comigo, Hector ascendia e apagava com muito cuidado todas as lâmpadas disponíveis. Detive, com um sorriso e minha mão sobre seu braço, o próprio pai que queria parar seu filho: “Olhe, lhe disse, ele está tentando compreender, simbolizar… se tranquilizar, portanto ».
Convidei seus pais a assistirem as primeira sessões, sem intervirem. Com isso eu buscava o consenso, o julgamento deles; em termos de hoje, a avaliação. Eles assistiram algumas sessões e se retiraram: a mãe curiosa e ávida de saber, o pai me outorgando um duvidoso contrato de confiança – é assunto seu!
Eu tive, no entanto, o cuidado de anotar algumas palavras endereçadas a mãe sobre o que seu filho fazia durante cada sessão. Com isso, eu buscava compartilhar com ela minha própria ideia; a saber, que seu filho já trabalhava para ordenar seu mundo para nos alcançar. Esse era o único sentido que eu me autorizava a destacar ante ela: enigma e esforço de construção! Sentido, eu poderia dizer, mas sem significação particular. Esse enfoque produziu frutos. Surgiu um apaziguamento ente a mãe e o filho pela trégua do supereu de um e o aumento em potência das experimentações do outro.
Mas, uma surpresa: a mãe não ficou aí. Ela queria agora forçar o sentido até abordar sua « culpabilidade », e mais ainda: sua «falta ». Resisti por um tempo, fazendo de conta que não compreendia, me dizendo que a melhor maneira de recusar uma responsabilidade poderia muito bem ser a de lhe dar destaque, com energia, sob a forma de culpabilidade. No entanto, para evitar que a transferência se tornasse negativa eu a escutei durante alguns meses, sobre sua explicação da doença de Hector. Seu relato se apoiava na leitura de um fato contingente que inscreveu o nascimento de seu filho no registro da morte. Essa leitura, talvez possa ser inexata, mas não é por isso menos verdadeira. Ela opera no momento em que se efetua, por retroação, com uma eficácia que se assemelha àquela da qual fala Claude Lévi-Strauss em seu artigo, a eficácia simbólica. Ela permite a mãe fazer, de maneira mais confortável, uma aposta sobre o que há de vivo, de criativo em seu filho, uma outra nota sobre a criança. Hector pôde tirar proveito desse deslocamento na subjetividade de sua mãe com uma aceleração de suas pesquisas e de suas produções, a ponto de dizer sua primeira palavra, uma pontuação: «É isso!».
Houve outra contingência da parte de seus pais, que incentivou o trabalho de construção de seu filho: sua separação. A que, bem ou mal, permitiu ao pai ser pai de modo distinto ao que tinha podido ser até então: ele acreditava que dar o que tinha, isto é, subsidiar as necessidades de sua família, poderia substituir uma presença de amor e de desejo. Entre a ameaça de suicídio e um novo amor paterno, encontrou pela primeira vez – ele diz – seu filho.
Pouco importa aqui que a condição de autista de Hector seja um fato de educação ou de biologia. Ela é da ordem de uma causa perdida: não há volta para trás. Se foi oportuno fazer os pais de Hector parceiros, foi para os ajudá-los a produzir, neles, efeitos subjetivos sobre o estado de seu filho, mais um trampolim que um obstáculo à invenção, à criação de seu filho.
Fazer os pais parceiros, é necessário, mesmo que seja apenas juridicamente, porém, mais fundamentalmente no plano clínico. É o que atestam nossas duas experiências, uma fórmula geométrica variável segundo cada caso.
Nesse sentido, a Nota sobre a criança é uma indicação, serve como bússola, com a condição de graduá-la segundo ainsondável decisão do ser, da escolha do sujeito como pura contingência, resposta do real, sem história, mas capaz de criar uma.
Sua carta na LQ, sua presença na Assembleia geral do CIEN e seu tweet simpático ao meu endereço despertaram minha resposta, esta vontade de dizer-lhe que há com certeza alguma coisa a fazer com os pais, fora do ABAtimento.
Cordialmente,
Alain Gentes
@alintes
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Serge Cottet, autor de «L’inconscient de papa et le nôtre. Contribution à la clinique lacanienne», intervirá em Lille, convidado por l’ACF-CAPA para uma conferência cujo argumento situa bem o que está em jogo. Com ele, com vocês, as letras de Lacan Cotidiano falam da atualidade da psicanálise.
Cartaz feito, como todos os outros da série das conferências, por Anne Breton
O livro de Serge Cottet «L’inconscient de papa et le nôtre. Contribution à la clinique lacanienne», Editions Michèle, 2012, está disponível em ecf-echoppe.com
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Lacan Cotidiano
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Tradução: Maria Ângela Mársico Maia