Sábado, 7 de abril de 2012 ٠ 20h30 [GMT+ 1]
NÚMERO 193
Eu não faltaria a um Seminário por nada no mundo— Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolha — AgnÈs Aflalo
▪ AUTISMOS ▪
« Margot » a primeira entrevista da série de documentários
Eis « Margot »!
Primeira entrevista da série de documentário « Quem eles se tornaram? ».
Esta sequência de curtas-metragens conta as histórias das crianças autistas, cujo destino foi alterado pelo encontro com um praticante orientado pela psicanálise.
A atualidade nos leva a acelerar o nosso projeto em curso, numa tentativa de objetivar o trabalho que um projeto de lei quer interditar.
Realizado pelos alunos da FEMIS, com outros jovens cineastas, cada filme se refere a um paciente. Eles conversam com um jovem e seus acompanhantes: seus pais, seus irmãos ou irmãs, seu clínico geral, seu fisioterapeuta… Jovens artistas recolhem os testemunhos e os transmitem. Nenhum psicanalista aparece na tela.
Para descartar toda a ideia «de utilização da relação transferencial» (para formular grosseiramente), os praticantes não interpelam diretamente os seus pacientes. Ou nos encarregamos ou existe outro intermediário que o praticante incentiva. Para todas as pessoas interrogadas, o projeto e o contexto político são expostos, bem como a nossa posição, a de não exibir, mas de esperar deles um ensino.
Todas os cuidados são tomados em cada etapa: filmagem, divulgação… para evitar sua desestabilização e respeitar a sua temporalidade…
O documentário se dirige a todos os públicos: às comunidades de trabalho já convencidas, aos profissionais céticos ou hostis ou a uma audiência muito mais ampla e desinformada.
Os números 2 e 3 estão em curso. Para as entrevistas seguintes, lançamos um apelo às instituições e aos praticantes, que proporiam aos pacientes, para nos contatar, e também às suas famílias e mesmo aos pacientes que desejarem testemunhar.
A divulgar, sem moderação!
Annie Smadja
Pediatra e psiquiatra, membro da ACF Réunion
87 rue des Sables 97434 Saint Gilles Les Bains
tel 0262 32 52 90 (heure France Métropolitaine +2)
PETIÇÃO INTERNACIONAL
PELA ABORDAGEM CLÍNICA DO AUTISMO
Uma iniciativa do Instituto psicanalítico da Criança
(Universidade popular Jacques-Lacan)
ASSINAR A PETIÇÃO ON LINE
NO SITE
Desde 16 de fevereiro,
Dia do lançamento on line da petição
10 964 assinaturas já foram recolhidas.
O TEXTO DA PETIÇÃO INTERNATIONAL PELA ABORDAGEM CLÍNICA DO AUTISMO
▪ ELES SUSTENTAM A PETIÇÃO ▪
▪ DIRETORES DE ESTABELECIMENTOS – CHEFES DE SERVIÇO :
· Bertrand Martinelli, diretor do Home-Chez-Nous, Le Mont, Suisse
· Evelyne Bridoux, diretora da Association Le Compagnon blanc, Lille
· Jeannine Chabanne, diretora da Association Ionesco, La Chapelle-Anthenaise
· André Guillermic, diretor de l’entreprise Cobasit, Plouha
· Didier Delahaigue, chefe do serviço educativo à l’IME Les Terrasses, Nice
· Michèle Lafrance, diretora da clínica à la Maison L’Eclaircie de Montréal, Canada
· Aline Kebers, responsável pela maison au Centre Parhélie, Bruxelles, Belgique
· Marie-Jo Bodin, chefe do estabelecimento escolar da educação nacional, Tours
· Maurice Bornet, diretor da associação AVIHE, Saint-Amant-Tallende
· Cécile Poueyto, diretora da Association AED, Bordeaux
· Stefania Angioni, chefe do serviço educativo à l’institut médico-social professionnel, Strasbourg
· Patrick Torre, diretor do Centro de pré-orientation Avvene, Bastia
· Anne David, chefe do serviço educativo à l’ADIR, Toulon
· Marie Bernard-Granger, do quadro da saúde aux hôpitaux du Léman, Thonon-les-Bains
· Dominique Courtois, do quadro da saúde au Centre hospitalier sud-francilien, Yerres
· Christine Venries, do quadro da saúde au Centre psychothérapique de l’Ain, Bourg-en-Bresse
▪ O INCONSCIENTE NA CRISE ▪
Por Réginald Blanchet
A maldição que deu razão a Crétois Vaggelis Petrakis
A informação chocou. Ela era alarmante. De acordo com o ministro da saúde, a taxa de suicídio na Grécia nos cinco primeiros meses do ano de 2011 tinha registrado uma alta de 40% em relação ao mesmo período do ano anterior. Este aumento brutal, sem dúvida a mais forte da União europeia,1 teria feito passar a taxa de suicídio global por país, de 2.8 a quase 6 por 100.000 habitantes2. Permanece uma das taxas mais baixas, embora, provavelmente sub-avaliada, da Europa e do Ocidente; os U.S.A. registram uma taxa de 10 suicídios por 100.000 habitantes. Ter-se-ia estabelecido uma forte orientação entre o aumento dos suicídios e sua correlação estreita com a situação da crise econômica grave que reina na Grécia. Houve a confirmação do fato de que a sociedade, já anteriormente estudada por Emile Durkheim e Maurice Halbwachs, entre as primeiras, e ainda evidência, se isto ainda fosse necessário pelas últimas pesquisas disponíveis. É um fato que, tratando-se da população em idade de trabalhar, o número de suicídios diminua durante os ciclos de expansão econômica e cresça nos períodos de recessão3. Além disso, está o fato também de que, em todas as coisas sendo iguais, os desempregados se suicidam 2 vezes mais que os empregados em atividades4 e 3 vezes mais, quando se trata de homens na idade dos quarenta anos5. Há, ainda, o fato de que o suicídio persiste de maneira largamente predominante entre os homens de negócios, enquanto que a tentativa de suicídio resta o apanágio das mulheres, com exceção notável da China, onde o suicídio das mulheres, especialmente das viúvas, têm um estatuto honorífico prevalente.
Estas tendências gerais não devem mascarar, portanto, as particularidades locais de um fenômeno ao qual o epíteto de «crises suicidas» pareceria adequada. É assim que na Grécia, se a maior parte dos suicídios ocorrerem no Ático de Creta de maneira a parecer, à primeira vista, inexplicáveis, eles são particularmente afetados. Hérakleion, centro comercial da Ilha, registra um crescimento significativo da taxa de mortalidade ocorrida por suicídio. O fato concerne, de maneira eletiva, os empresários, onde, aliás, nenhum deles, é preciso observar, apresenta antecedentes psiquiátricos. Assim como os homens na faixa etária dos 35 aos 60 anos, financeiramente arruinados, que utilizam preferencialmente a linha telefônica colocada em serviço pela l’ONG Klimaka, com o fim de ajudar as pessoas em situação de desamparo6. Mas, para além do determinismo social inegável que é apresentado aqui, ou melhor, em seu cerne, a morte voluntária continua a ser um acontecimento de ordem eminentemente pessoal. A diversidade de suas modalidades faz dela, uma resposta na qual a singularidade daquele que se entrega não poderia ser eliminada. O sociólogo já o salientou, sobriamente: «As razões do suicídio estão em nós, mas também fora de nós»7. Mais explicitamente: «Não é apenas a miséria dos trabalhadores que estão desempregados, as falências e as ruínas, a causa imediata de muitos suicídios […]», mas sim, o fato de que, nesta situação de desintegração social, «entre os motivos individuais os homens possam ter o de desejar a morte» e que isto se imponha a eles de maneira prevalente até dominá-los8. Isto não é para eliminar a contingência última que marca o ato suicida. Ele é imputável a alguma forma de δυστυχία, ao infortúnio do mau encontro. Como tal, pode ser dito sobre o encontro que levou ao suicídio, Crétois Vaggelis Petrakis, e que selou de um golpe o seu destino, doravante emblemático para muitos. Em sua edição de 20 de setembro de 2011, o Wall Street Journal entrega-nos a sua história.
A falta
É a aventura fabulosa de um petit va-nu-pieds (criança pobre que vive nas ruas ou nas montanhas) que, com a força da coragem, perseverança e do trabalho incessante, termina por se elevar com a idade de 47 anos, ao posto de pequeno proprietário, como atacadista de frutas e legumes em Hérakleion. Seu comércio, que ele abriu nos anos 2000, graças às suas economias e substanciais empréstimos bancários suplementares, parecia próspero, dando-lhe a certeza de um futuro brilhante, não fosse a crise que começou no final da década. O negócio encontrou-se, então, hipotecado pela dívida colossal de 600.000 euros, acumulado ao longo dos anos. Encurralado entre os clientes inadimplentes e os bancos que se mostraram doravante mais rigorosos nesse período de instabilidade quanto às condições de concessões de créditos, os comerciantes tornaram-se insolventes. Não era apenas o dinheiro que lhes faltava no momento de cumprir os seus próprios prazos, era muito mais sério, as margens de lucro da empresa foram, cada vez mais, se reduzindo, colocando-os no caminho da falência (o dia da liquidação). Por força das circunstâncias, o comerciante foi obrigado a agir como banqueiro consagrado, além disso, a fazer funcionar a perda. Seus clientes lhe impunham longos atrasos antes de pagar as suas compras e lhe entregavam, por este fato, cheques pré-datados. Incapaz de manter a data efetiva dos cheques esperados, o atacadista os descontava no banco, em troca de uma comissão por eles cobrada. Este sistema bancário operado através de cheques pré-datados é comum. E não tem nada a ver com a fabricação monetária descontrolada e com a crise do super endividamento que resultou. Se somarmos a isto, a falta de pagamento, pura e simplesmente, que lhe opunham, sem rodeio, muitos dos seus parceiros de negócios, sem dúvida, por serem eles mesmos incapazes de honrar suas dívidas para com a empresa, como declarou a senhora Petrakis no dia seguinte à tentativa de suicídio de seu marido, ele se dirigia devagar, mas certamente, sem proteção, em direção à falência.
Na primavera de 2010, pressionado, Vaggelis Petrakis recorreu a um estratagema. E cometeu um erro. Um cheque em seu benefício, proveniente, supostamente, de uma empresa à qual ele não possuia nenhuma relação de negócios. O cheque era pré-datado e foi descontado. Mas o banco não demorou muito tempo a descobrir a fraude. A polícia interveio, investigaram, os jornais apossaram-se do negócio e fizeram grande barulho. A identidade do falsificador não foi revelada. Mas, os olhares advertidos se dirigem, inevitavelmente, sobre Vaggelis Petrakis. Então, não suportando mais, tentou por fim aos seus dias. Ele ingeriu uma mistura de cerveja e gasolina. Sendo que, mudou de ideia no último momento e pediu socorro ao seu filho, que o conduziu ao hospital. Ele escapou. Sua mulher o faz prometer não ceder mais ao desespero. Não tinham, juntos, sempre se saído do problema? E em circunstâncias bem mais duras? Por certo que juntos, eles venceriam, uma vez mais, a adversidade. Mas, Vaggelis acreditaria nisto? Poderia acreditar, em vista do abismo que representava esta dívida impossível de extinguir? Ele conhecia Georgia desde sua mais tenra infância. Eles se amavam. Pequeno vendedor ambulante deloukoum (doces turcos), ele tocava a campainha com os pés descalços para ganhar o seu pão. E não deixava faltar para Georgia, o melhor loukoum de sua mercadoria, o último. Oferecê-lo para o seu prazer era a verdadeira recompensa de seu sofrimento. Casaram-se e tiveram dois filhos.
Para dizer a verdade, a falta de Vaggelis Petrakis foi dupla. Foi, certamente, o de cometer um ato fraudulento. Mas, foi talvez, mais essencialmente, ter sucumbido a este voluntarismo que o confinava à imprudência, de ter-se endividado além de qualquer medida e, pior ainda, de ter-se cegado obstinadamente sobre as possibilidades razoáveis que tinha de se sair da dificuldade. Será que o ponto de engano não foi a sua crença nos méritos do esforço individual, do trabalho incansável, dia e noite, e que lhe valeram para escapar da miséria, para adquirir a posição invejável, que era a sua recentemente? Certamente, que algo das regras em jogo no capitalismo financeiro tinha escapado ao self made man que era e ao empresário independente que ele queria tornar-se a qualquer custo. Não estaria aí, o erro que vinha reiterar o outro erro, o deste cheque tão manifestamente falsificado que sua qualidade de ato falho não deixaria dúvida. Não foi necessário o menor esforço aos banqueiros, diga-se, para atiçar o negócio, que já estava bastante visível, pois a ingenuidade do aprendiz de falsário era flagrante. Vaggelis Petrakis encontra-se, por assim dizer, preso na armadilha de suas virtudes. Ele devia amá-los muito para não ter se apercebido, a não ser bastante tarde, que não eram eles que faziam a lei neste mundo. Não é proibido ver nesta tentativa de fraude, o ensaio desesperado de colocar-se como diapasão do mundo. Banqueiro de fato e banqueiro na perda, ele o era para os outros. Quando quis ser para ele mesmo e para seu único benefício em detrimento do banco oficial, ele se deixa pegar. Esta falha fez, sem dúvida, o efeito de um momento de verdade: era o fim. O fim de sua aventura, o fim da aventura de toda a sua vida. Ele o antecipa, decidindo nela colocar um termo. Retardou, contudo. No último momento, pediu socorro ao seu filho.
▪ CRÔNICA ▪
Philippe Hellebois
38 testemunhos
Filme de Lucas Belvaux com Yvan Attal, Sophie Quinton, Nicole Garcia
Os tweets de G. Miller publicados no Lacan Cotidiano há algumas semanas (espera-se impacientemente os seguintes!), dizendo de seu desejo de votar em – antes que a imprensa anuncie – da mesma maneira que ir ao cinema para assistir o último filme de um Parisiense belga, Lucas Belvaux, As 38 testemunhas. O conselho foi sensato – o filme, bonito e horrível ao mesmo tempo, esclarece o que J.-A. Miller chamou recentemente de (« Le théâtre secret de la pulsion », Le Point du 22 mars 2012) a nossa parte de inumanidade. Não diremos que trata-se de uma crônica de nossa inumanidade ordinária – a expressão é não apenas fácil demais, mas breve, porque o meu compatriota fez mais e muito melhor do que se apercebeu, pois , ele está mais interessado em como se responder a isto. Dir-se-ia, portanto, que é, ao mesmo tempo, lacaniano e belga – mais um!
Uma jovem mulher foi selvagemente assassinada em plena noite sob as arcadas da rua de Paris no Havre – o bairro está classificado como patrimônio mundial pela Unesco, de um gosto perfeito, a beleza recobre decididamente o horror. Com efeito, os habitantes do edifício em frente declaram em uníssono, não terem ouvido nada, nada escutaram! De fato, todos exceto um, que começa por nada dizer durante alguns dias, para, finalmente, desabafar. Ele fez um primeiro relato a sua amiga, ausente no momento dos acontecimentos, porque dormia. Curioso! Porque este rodeio? Por covardia – seria mais fácil falar com alguém que dorme? Hum ! Não se trata, antes, de um rodeio por via do inconsciente? Adormecida, ela não o vê, e é apenas mais um olhar – é porque é olhado que fala. Olhado por quem ? Por quem o viu ! Sua amiga, que ouviu a história sem se aperceber, encontra-se afetada também, acorda em um segundo, pede-lhe para se explicar e não lhe deixa outra escolha, a não ser ir à polícia. É este rodeio que lhe permite, portanto, verdadeiramente, se decidir.
Ele tinha ouvido um primeiro grito feminino, inaudito, longo, aterrorizante, seguido de um segundo, que era ainda pior. Então, viu uma mulher entrar num edifício cambaleando e segurando o seu ventre. Em seguida, ela desapareceu de sua vista e ele voltou para cama. Ele precisou mesmo aos policiais que estes gritos eram tais que era absolutamente impossível não os ter escutado e que das suas janelas podia-se ver. Aturdidos por este testemunho que desmente os outros trinta e sete, os policiais os reinterrogam e os escuta confirmarem a sua versão: todos tinham ouvido e, certamente, visto ainda mais! Um deles tinha mesmo saído na varanda, demandando ao agressor e a sua vítima, que havia tomado como um casal, para fazerem menos barulho!
Lucas Belvaux não faz psicologia, não tenta jamais compreender e nem responder a sempre eterna questão de saber Por que as testemunhas não fizeram nada ?, já que não corriam nenhum risco ao chamarem a polícia. Sua proposta é diferente e mais segura, a de procurar esclarecer o que se passa em seguida. Ele parte do fato de que as testemunhas encontraram algo do real e não quiseram nada saber, mas permaneceram, no entanto, nisso, prisioneiros. Isto é, sobretudo, verdadeiro para aquele que terminou de falar e faz falar a todos os outros. Ele não saiu indene desta terrível noite: permanecerá obcecado ou mesmo siderado, não se sentia mais pertencer ao mesmo mundo que aquele de seus semelhantes. Aquele que falou não era o melhor, mas era, sem dúvida, o mais afetado. Por que? Esta é uma questão, ainda e sempre psicológica, ao qual o filme não procura responder.
Em contrapartida, o que ele mostra é que a testemunha fala para sair do silêncio no qual mergulhou, com o grito da mulher torturada. Foi o grito que instalou o silêncio e não o inverso – isto nos lembra o que Lacan disse do famoso quadro de Munch Le cri, «o grito é o abismo onde o silêncio impera». O que é este silêncio, a não ser aquele do teatro secreto da pulsão? Ele escutou, viu e… assistiu a uma parte do seu próprio teatro da crueldade (ver JAM, ibid.)
Este filme ilustra, de forma notável, a relação do sujeito neurótico com o real, mostrando quanto o sujeito como tal é um sujeito que se defende do que experimenta de pior. O real é sempre descartado pelo sujeito que se constitui a partir mesmo desta evacuação que Freud nomeou como defesa. Isto diz, se podemos, que devemos fazer o elogio da defesa (título de um artigo famoso de Alain Merlet). Isto, obviamente, não quer dizer que se deve usar da covardia diante do pior. Com efeito, a questão da coragem e da covardia não se situam ao nível em que o sujeito se encontra com o real, mas apenas no a posteriori.
Uma vez que se defendeu do real, o que fazer? Não é no a posteriori (après-coup) que a necessidade da defesa nos coloca a questão ética? Isto constituiuma sequência articulada em três partes: o encontro, a defesa e a palavra ou, em outros termos ainda, do que Lacan chamou de instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir. É altamente desejável que o tempo intermediário, aquele para compreender, seja o mais reduzido possível. No entanto, pode-se conceber facilmente que ele se eternize, pode também tornar-se o de todos os comprometimentos e isto especialmente aqui, pois um dos segredos desta história, de qualquer história, é, sem dúvida, que não há nada para compreender. O sujeito viu, ouviu, experimentou e não disse nada – é como isso. Não há nada para compreender, mas em certos casos, como o ilustrado pelo filme ou em numerosas atrocidades de nossa história contemporânea, há como reagir o mais rapidamente possível, sabendo que o real insuportável tem e terá sempre um tempo de antecipação.
O filme é, em si, uma leitura, uma vez que é inspirado em um romance, de resto formidável, de Didier Decoin, Est-ce ainsi que les femmes meurent ?(É assim que as mulheres morrem?) (Grasset, 2009), romance que também se baseava em uma história verídica, obviamente americana. Lucas Belvaux privilegiou o ponto de vista da testemunha, enquanto o romance de D. Decoin atribuía muito mais importância aos personagens do assassino, descrito como um psicótico necrófilo, e ao da vítima, uma jovem ítalo-americana, apresentada como homossexual. O livro e seu título levam o leitor a uma interpretação sexual das coisas; o filme, ao real ininterpretável ₪
▪ PRÓXIMO LANÇAMENTO▪
Os autistas devem nos escutar
ou somos nós que devemos ouvi-los?▪
▪ Eis, antes de seu lançamento, no decorrer da próxima semana, um trecho do prefácio escrito por Alexandre Stevens :
« […] Inicialmente, nós nos encontramos com a criança, abordamos sem saber o que convém para ela, procuramos seguir os seus significantes, as suas invenções. É o tempo necessário do encontro para o aparecimento de uma surpresa. Em seguida, sustentamos a invenção do sujeito. Estas invenções serão certamente muito diferentes de um sujeito para outro, no caso a caso. Alguns vão se concentrar em um esforço de bem-dizer, com o fim de traduzir o melhor possível o que encontram. Assim, esta criança perdida nas histórias intermináveis de aparência mitomaníaca (mythomaniaque), frequentemente inquietantes, e que vão progressivamente se esvaziando ao se orientar sobre um saber da língua. Põe-se a prestar uma atenção muito particular na gramática e na exatidão das expressões. Pode-se medir, neste caso, a importância que tem para as crianças, o fato de estarem integradas, tanto quanto possível em um trabalho escolar e na aprendizagem. Um outro tomado pelos desbordamentos de ordem sexual em seu discurso, além disso, muito desarticulado, acabará por desenvolver um saber detalhado e organizado sobre a reprodução dos pássaros, permitindo, ao mesmo tempo, localizar fora do corpo, o desencadeamento. Outros ainda inventam bricolagens, tais como a máquina de contenção de T. Grandin, que vem reconstituir a imagem do corpo ou completa-lo um pouco. Todas estas invenções e estas elaborações sintomáticas permitem ao sujeito, localizar e limitar as irrupções do real e, assim, encontrar seu lugar no laço social, ao se abrir ao mundo e aos outros».
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CONVERSAÇÃO UFORCA PARA O UPJL
À escuta dos autistas
CONVERSAÇÃO ANIMADA POR JACQUES-ALAIN MILLER
Sábado, 30 de junho de 2012, das 10h às 13hs e das 15hs às 18hs
Maison de la Mutualité, 24, rue Saint Victor, Paris Ve
Recepção às 9h30
A conferência da imprensa que ocorreu no último dia 4 de março, em Paris, sob o título Autismo e Psicanálise, nos levou a conhecer o novo ataque à psicanálise pela Haute Autorité de Santé. As associações minoritárias foram capturadas como refém da HAS com o apoio dos experts auto-proclamados que querem reservar a abordagem e o tratamento de sujeitos ditos autistas aos métodos autoritários de aprendizagem e de educação. Mais uma vez a arma letal é a avaliação.
O autismo nasceu do encontro da psiquiatria com a psicanálise na clínica de Bleuler.
A entidade adquiriu sua independência com Kanner, em 1943, e Asperger, em 1944. A partir dos seus trabalhos, outros clínicos e teóricos fizeram época. A publicação, por si mesma, de alguns sujeitos autistas do relato de suas experiências, às vezes, por seus pais, permite levar em conta os ditos autísticos, de maneira muito séria. A psicanálise tem sempre tomado como o seu ponto de partida, os ditos dos pacient(e)s e esta sempre foi a sua força, isto constituiu o fermento de sua invenção. A cura permite marcar a diversidade dos fenômenos e a sua complexidade que é hoje evidente para os cientistas dignos desse nome, em oposição ao cientificismo dogmático do behaviorismo da HAS. Escutemos os autistas e o que eles dizem. É a aproximação mais desejável ao tratamento ou abordagem do autismo: aquele que respeita a singularidade e a escolha, aquele que facilita o encontro e a invenção, aquele que sabe deixar livre e “forçar docemente”, aquele que sabe recolher o saber precioso que detém o sujeito autista nele mesmo. Os modos de comunicação do sujeito autista podem ser diversos, mas esta comunicação sempre existe: façamos a coleta dos ditos autísticos, vejamos o que também temos a lhes dizer, como nos propôs Lacan em 1975. Enfim, sobretudo, testemunhemos do trabalho realizado nas Seções clínicas, desde quase trinta anos, na acolhida e tratamento dos autistas, quer seja criança ou adulto, nas instituições ou no consultório do analista.
Com a participação comunicada de François Anserment, Antonio Di Ciaccia, Éric Laurent, Jean-Claude Maleval e Alexandre Stevens.
lacan cotidiano
publicado por navarin éditeur
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Tradução: Zelma Galesi