(SÁBADO) 5 DE NOVEMBRO DE 2011
CONVIDADO INTERNACIONAL: SERGE COTTET
BOLETIM # 5
Neste Boletim 5 vocês encontrarão duas contribuições sobre o fora-do-sentido do sintoma. Angela Batista pensa a vertente de leitura do sintoma para além da decifração enquanto que Dinah Kleve se refere à distância entre a escrita e a fala a partir do sentido que o termo interpretação tem para a arte do teatro, não como decifração e sim como cifração.
Maria Angela Maia
Eixo 3 – O necessário do simbólico e a contingência do real.
Ângela Batista
Na perspectiva de como ler o sintoma no século XXI, o texto de José Castello no Jornal O globo, publicado recentemente, meu ajudou a pensar que a psicanálise não é apenas uma questão de escuta, mas também questão de leitura.
Castello lembra um escritor português Antônio Lobo Antunes, em seu livro As Coisas da vida. Ele diz que para ler ficções, o leitor deve jogar fora as chaves conhecidas da leitura, precisa abandonar as chaves enferrujadas que carrega no bolso e procurar no texto uma nova chave. A leitura é um diálogo com uma sombra. Por isso as velhas chaves sempre falham e é por isso que o conhecimento, a razão, e os bons argumentos tornam-se inúteis diante do saber ler. Não se pode ler sem se ferir, diz ele.
Para ler o sintoma uma mudança se faz necessária, que é passar da escuta do sentido à leitura do fora do sentido.
Antunes sugere que o leitor se abandone “ao seu aparente desleixo, as suspensões, as longas elipses, ao assombramento do vaivém de ondas que, aos poucos, os levarão ao encontro da treva fatal”.
Interrogar o que pode ser a psicanálise quando ela toma distância da semântica, indo ao encontro do real como acontecimento de corpo, faz o sintoma se tornar ferimento fundamental.
Lembrando Miller no texto de abertura do Boletim ele diz que a interpretação como saber ler, visa reduzir o sintoma a sua fórmula inicial, quer dizer, ao encontro material de um significante e do corpo, ao choque puro da linguagem com o corpo.
Para concluir, não se pode ler o sintoma sem se ferir e se implicar com a fixidez de gozo que deve ser manejado. Abordar o sintoma como acontecimento de corpo é abordar o último ensino de Lacan e as consequências que ele traz para a clínica.
· Eixo 1 – Formações do inconsciente e formação do analista
Dinah Kleve
“Você está psicologizando demais” era, certamente, uma das críticas frequentemente ouvidas nos processos de criação dos quais participei na época em que ainda trabalhava como atriz.
A lembrança me ocorre ao pensar na indicação de Miller para que leiamos o sintoma “mantendo à distancia a palavra e o sentido que ela veicula, a partir da escritura como fora de sentido, como Anzeichen, como letra, a partir de sua materialidade”(1) e no modo como dei início à minha formação, ministrando oficinas de teatro em instituições psiquiátricas.
Tal trabalho, que ainda hoje realizo, parte, não de um ideal, mas de uma recontextualização de restos, na descoberta de uma escrita possível por parte desses sujeitos que, embora não estejam no discurso, visto que não há extração do objeto a, estão na linguagem. Trata-se, portanto de viabilizar a criação de um sintoma com uma maneira singular de amarração, partindo de um trabalho mais braçal a partir da letra e não de um sentido, embora este seja sempre conferido à obra criada a partir da leitura de um terceiro, sendo justamente esse encadeamento a aposta numa possível estabilização.
Foi, portanto, tomando a psicose como ponto de partida e o sentido que tem o significante interpretação no universo teatral, não como uma decifração, mas justamente como um modo de cifração, que pude começar a enveredar pela “distância entre falar e escrever… distância em que opera a psicanálise”(2).
Referências bibliográficas:
LACAN, Jacques. O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
MARON, Glória; VIEIRA, Marcus André, BORSOI, Paula (org.), Caminhos de estabilização na psicose, Rio de Janeiro: ICP-RJ/Subversos, 2011, p. 111.
MILLER, Jacques-Alain. Ler o sintoma, 2001, inédito.
Notas:
[1] MILLER, Jacques-Alain (2011) Ler o sintoma. Inédito.
2 Idem