Editorial
No momento em que se aproximava o nascimento de seu filho Heracles, Zeus declarou a todos os deuses que o primeiro descendente de Perseu que iria nascer se tornaria o rei de Micenas. Hera, sua ciumenta esposa, tinha conhecimento de que se tratava de um filho ilegítimo e com a intenção de enganá-lo fez com que ele transformasse sua declaração em jura solene. Sem suspeitar da dolosa intenção fez o juramento pensando em beneficiar seu filho. Porém o parto foi retardado, – por interferência de Hera -, por dez meses beneficiando Euristeu outro descendente, que passou a ser o primeiro a nascer. Zeus foi enganado por ATE, submetendo Heracles ao comando de Euristeu. Sua vingança não demorou lançando a deusa fora do Olimpo, despencando sobre uma colina que recebeu o nome de Colina do Erro, onde mais tarde foi construída a cidade de Tróia.
Desde então, ATE é a personificação do equívoco, do erro, do lapso. Divindade leve e ágil, seus pés pousam sobre a cabeça dos mortais, sem que eles percebam. Ao cair do alto do céu a deusa perdeu para sempre a possibilidade de morar no Olimpo e é por isso que o Erro constitui a triste partilha da humanidade. É difícil não ver nessa alegoria a representação do que, para nós, caracteriza o inconsciente.
Esse Boletim distingue-se por uma vocação maior para a formação do que para a informação. Sua finalidade é criar um espaço institucional para acolher nossos equívocos, lapsos e erros. A ele serão destinados os textos em elaboração e ainda inconclusos produzidos pelos autores das Jornadas da EBP/IPB que se realizarão entre 20 e 22 de outubro de 2011. Nesse sentido promoverá a discussão coletiva e o acompanhamento da elaboração individual estimulando o surgimento de uma comunidade de trabalho.
O título das Jornadas desse ano é “O sinthoma e a nova ordem simbólica”. Em torno dos limites dessa ordem, avançaremos com a ajuda dos recursos da topologia e do último ensino de Lacan.
O espírito dos nós foi a outra fonte de inspiração para dar nome a esse boletim. Ao enunciar o real sob a forma de uma escrita Lacan recorre ao uso do nó borromeano para instrumentalizar sua clínica. Para se construir esse nó é preciso que se ate dois elos com um terceiro que deverá passar por cima de um e por baixo do outro, em seguida se fechando; de maneira que ao desamarrar um deles, todos se soltem. Entretanto se na amarração dos anéis, ao invés de um passar por baixo do outro passe por cima, haverá um erro em algum lugar do nó de três que será reduzido apenas a uma roda.
A palavra ATE também é a primeira pessoa do presente do subjuntivo na conjugação do verbo atar. Atar os nós onde aparecem os erros é a função do sinthoma que permite reparar a cadeia borromeana. Daí que esse boletim pretende estimular o exercício da escrita que é uma precipitação do significante com a palavra em ação, veiculando o significado e reinventando o sentido. Promover o aparecimento dessa palavra que fala e se cala, que sabe e não sabe o que diz, que só se manifesta como pedaços de real, como rastro, vestígio ou resto será mais um dos objetivos desse boletim.
Escolhemos comemorar a data do nascimento de Freud com o lançamento desse primeiro número, homenageando aquele que soube, mais do que ninguém, introduzir na lógica do século XX o sonho como o terreno privilegiado das manifestações de ATÉ.
Contaremos com a colaboração de Carla Fernandes, Julia Solano e Luiz Felipe Monteiro que se encarregarão da organização, execução e acompanhamento desse trabalho.
ATÉ as Jornadas. Paulo Gabrielli – Diretor de cartéis e transmissão
Atualizado em 06/05/2011