qual a resposta do CIEN?
O uso da fala, como instrumento de transformação e ação, pode ser reconhecido em um amplo e variado espectro de intervenções: desde propostas com declarados objetivos terapêuticos até as concebidas para incidir sobre questões sociais, educacionais, políticas, religiosas etc. Muitas destas propostas surgem em um universo no qual o saber está essencialmente dirigido ao utilitarismo ¾ que tudo funcione ¾, em conjunção com o discurso da ciência e da tecnologia que pretendem uma previsibilidade sobre o sujeito. O ponto comum entre muitos destes dispositivos é a presença de um modelo identificatório, e o fato de a fala encontrar-se referendada a uma escuta pré-concebida, ancorada em saberes e conceitos estabelecidos.
Há alguns anos, Éric Laurent1 destacou justamente esta tendência visivelmente crescente em nossa civilização: fazer com que a palavra se torne cada vez mais útil e eficaz. Recorreu, ainda, ao significante “psicoterapia generalizada” para nomear o fenômeno da multiplicação daqueles espaços nos quais “falar possa ser útil” e “ouvidos especializados possam acolher a palavra”. Falar se tornou, em nossos dias, um imperativo, e a palavra se encontra, nesta perspectiva, concebida como um “instrumento de bem-estar”2.
Como conseqüência desta oferta generalizada, temos, dentre outros aspectos, um não lugar para o que se apresenta como enigmático e para o que irrompe de forma inesperada ¾ ou seja, um não lugar para o mal-estar estrutural, uma vez que, sob a forma de “psicoterapias democráticas ou conversações amistosas apaga-se a causalidade psíquica em benefício de uma causalidade científica”3. Nesta mesma ocasião, Laurent indicava uma direção: aí onde imperam a “mecanização do mundo” e a “aspiração à foraclusão do sujeito”, o CIEN teria como meio aquilo que Lacan denominou o “dom da palavra”.
Se o CIEN tem por orientação oferecer dispositivos onde a palavra possa se tornar, pela forma como é escutada, um instrumento de criação de respostas e de abertura de caminhos inéditos ¾ ou ainda, como indicou Judith Miller, o inconsciente possa, no mundo contemporâneo, tornar-se audível4 ¾ esta orientação tão rigorosamente difundida merece ser entendida como uma aposta e, como tal, merece ser verificada.
Estas questões inspiraram a escolha do tema desta Manhã de Trabalho do CIEN Brasil. Esperamos que os participantes dos laboratórios nos transmitam, a partir de suas experiências, como repercutem no social os efeitos da fala que leva em conta os mal-entendidos inevitáveis que ela provoca e que, ao serem escutados, permitem a localização de impasses e a construção de novas respostas. Estamos diante de uma questão fundamental: o que falar quer dizer?5.
O trabalho interdisciplinar do CIEN nos laboratórios, a partir dos usos que se faz da incidência da fala de cada um sobre os demais, faz aparecer a dimensão da co-responsabilidade. Temos como desafio, portanto, formalizar e fazer avançar esta experiência, e estabelecer diferenças em relação a outras práticas, que igualmente tomam a oferta da palavra como instrumento, e à própria psicanálise aplicada. Nossa experiência diz da eficácia do uso da palavra, mas também de seu difícil manejo: como servir-se da transferência de modo a favorecer algum desajuste das identificações, tal como proposto por Laurent?
Pretendemos recolher, por meio das contribuições dos Laboratórios, as conseqüências e efeitos do uso do debate interdisciplinar e do uso da psicanálise em sua extensão aos sintomas sociais. Para tanto, convocamos ao trabalho aqueles que, com determinação e entusiasmo, participam da experiência do CIEN no Brasil.
1Laurent, É. “Retomar la definición del proyecto del CIEN y examinar su situación actual”. In: El Niño – Revista del Instituto del Campo Freudiano/CIEN, número 10, Barcelona, Febrero de 2002, p. 10-18. Texto Apresentado no II Colóquio do CIEN “O dom da palavra”. Éric Laurent é psicanalista e assessor do CIEN.
2Cf. proposto por J-A. Miller, com a participação de Éric Laurent, no curso “O lugar e o laço” (2000-2001), lição V.
3Udenio, B. “Adoptar su responsabilidad: el don de la palavra e sus consecuencias”. In: Cuadernos CIEN 4, Buenos Aires, 2001.
4Intervenção de Judith Miller, citada por Phillippe Lacadée no Relatório da Associação do CIEN, 2007, disponível no Anuário CIEN Brasil 2007/2008.
5Cf. Lacadée, P. “Uma terra estrangeira interna”. In: CIEN Digital, número 04, julho de 2008, p. 11.
21 de novembro 2008
Rio de Janeiro
Rio Othon Palace
Avenida Atlântica, 3264
Copacabana.
Horário: 09h00 às 13h00
Inscrições: ICP RJ
(021) 22867993
[email protected]
com Solange
Taxa de inscrição: R$ 10,00
Informações:
[email protected]
Os trabalhos dos Laboratórios do CIEN Brasil devem ser enviados até 21/10/08 para Cristiana Pitella de Mattos: [email protected]
Haverá seleção dos trabalhos enviados para a composição das mesas.
Comissão Organizadora
Fernanda Dias
Jana Vieira da Cunha
Maria Cristina Bezerril Fernandes
Marilene Ferreira Cambeiro
Monique Vincent
Paula Deborah Kleve
Ruth Helena P. Cohen
Simone Bianchi
Comissão Científica
Cristiana Pittella de Mattos
Heloisa Prado R. da Silva Telles
Maria do Rosário C. do Rêgo Barros
Maria Rita Guimarães
Teresa Pavone
O Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Criança (CIEN) é uma ampla rede de investigação no Campo Freudiano que se dedica ao trabalho interdisciplinar. Desta forma, profissionais do campo da psicologia, sociologia, educação, medicina e saúde em geral, direito e trabalhadores da rede de proteção social, orientados pelas contribuições do ensino de Freud e Lacan, reúnem-se em Laboratórios para tratarem os impasses encontrados em suas respectivas práticas que têm a criança e o adolescente como referência.
Judith Miller é Presidente do CIEN e Phillippe Lacadée, Vice-presidente.