São Luís, 30 de outubro de 2007
Thaïs Moraes Correia
Diretora de Biblioteca-DG/MA-EBP
Atividades Propostas Para o Bimestre -Outubro/Novembro
Seminário de leitura: « Peças soltas » J.-Alain Miller
Cordenação: Thaïs Moraes
Periodicidade: Quinzenal
Data: 31 de outubro de 2007
Horário: 19:30 hs
Local: Av. Colares Moreira 444/441-b
Ed. Monumental- Renascença II
Atividade isenta de pagamento
Atividade: O que é uma Escola de Psicanálise?
Coordenação: Eduardo Riaviz
Periodicidade: Quinzenal
Data: 5 de novembro de 2007
Horário: 19: 30 hs
Local: Rua das Laranjeiras, s/n-ap. 206 Edf. JK
Renascença I
Texto: « A teoria de Turin », de J.-A. Miller
Entrada gratuita para os membros da Delegação
Investimento : 50,00 reais
SAIBA MAIS
II jornada da Delegação Geral-Maranhão
« O que é a Psicanálise de Orientação Lacaniana »
1.Abertura: Conferência -« A Importância da Psicanálise na Atualidade »-Dr. Manoel Motta
Data: 23 de novembro de 2007
Local: Teatro Maria Isabel Rodrigues-UNDB
Endereço: Av. Colares Moreira, 443- Renascença II
Horário: 19:30 horas
Atividade Aberta ao Público-isenta de pagamento
2.Tema: « O que é a Psicanálise de Orientação Lacaniana »
Conferencista: Manoel Motta- Doutor em Filosofia, Professor adjunto da UERJ, Psicanalista, Membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise.
Data: 24 de novembro de 2007 , de 9:30 às 12:00 e das 15:00 às 18:00
Local: Auditório do Conselho Regional de Medicina
End: Rua Carutapera, q 37 b n2- Renascença II (ao lado do UNICEUMA)
Investimento:
60,00 profissionais
30,00 estudantes
CINEMA E PSICANÁLISE
Cinema e Psicanálise na Delegação:
Desde maio iniciamos sessões de cinema com blá-blá-blá e quitutes, na LABORO que, de agora em diante se transformam em encontros mensais com comentários de pessoas interessadas na Sétima Arte. A partir dessa iniciativa, o convite está feito para nos desbruçarmos sobre as articulações entre psicanálise e cinema e assim, podermos fazer circular o trabalho decidido da Delegação Geral-MA da Escola Brasileira de Psicanálise nesta cidade.
Filme: Invasões Bárbaras
Data: 8 novembro de 2007
Local:LABORO-Pós Gradução/São Francisco
Horário: 19: 00 hs
Comentários: Thaïs Moraes Correia- psicanalista
As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares)
(Leonardo Silvino)
Se você quer ver um filme que faça pensar, invista seu tempo em « As Invasões Bárbaras »!
O filme canadense… bem, na verdade se trata de um filme do Quebec, região francófona que há anos tenta tornar-se independente do Canadá. O filme recebeu os prêmios de melhor roteiro e melhor atriz (Marie-Josée Croze) em Cannes e concorreu na Palma de Ouro de 2003.
As Invasões Bárbaras retrata um drama pessoal para representar a desconstrução de ideologias nas mudanças do todo. Pode-se dizer que este filme é primo de Kolya, obra tcheca que retrata o encontro de um músico com um garoto russo através do acaso. Uma analogia à morte e ao novo, ao fim do comunismo e ao começo de uma nova república. Em As Invasões Bárbaras, o confronto pessoal de ideologias está no reencontro de um pai e seu filho. Se Kolya tratava do mundo pós-queda-do-muro, As Invasões Bárbaras questionam o mundo pós-queda-das-torres.
Rémy (Rémy Girard), mesmo personagem de « O Declínio do Império Americano – Le Déclin de L’Empire Américain » de 1986, é um professor universitário que está com uma doença terminal. Internado num hospital público ele espera a volta de seu filho Sébastien (Stéphane Rousseau) que opera numa financeira em Londres.
O choque entre o baby boomer que acreditou e desacreditou em todos os ismos de sua época com o yuppie é inevitável. Apesar disso, Sebastian faz de tudo para melhorar os últimos dias do pai. Remove-o do leito compartilhado e evita ainda que volte para o corredor do hospital.
Paciente no corredor? Mas o filme por acaso é brasileiro? Não se esqueça que, mesmo não sendo um país independente, o Quebec também faz parte da América Católica. Estatização, sindicatos corruptos, policia despreparada e religiosidade fazem do Quebec um país distante mas muito parecido com restante da América Latina!
Sebastian, após uma briga com um pai, reflete sua condição de futuro órfão. Ele corre contra o tempo para que Rémy tenha um final digno. Para isso, ele tem de subornar o sindicato e a direção do hospital para melhorar a sua estadia e consegue a conivência da polícia para comprar heroína para aliviar o sofrimento de seu pai, procedimento indicado por uma amigo médico. Possibilita ainda, sua irmã se comunicar com o pai; paga a visita de alunos que esnobaram Rémy em sua despedida da universidade por motivos de saúde e convoca os amigos antigos para fazer-lhe companhia.
O grupo de amigos e parentes que passa os últimos dias com Rémy, é formado por professores, antigas amantes, a ex-mulher e um casal gay. Nestes encontros são memoráveis os diálogos da geração que acreditou nas mudanças e que agora convive com guerras preventivas em nome da paz.
O filme questiona em doses variadas o antiamericanismo, o holocausto indígena, a eutanásia, a globalização, a discriminação das drogas e principalmente a permanência dos valores, os quais estão acima de qualquer ideologia. Principalmente a amizade entre pais e filhos que o dinheiro não compra. Parece propaganda mas não é.
Rémy apega-se à vida e tem saudade desta antes mesmo de deixá-la. Saudade das conquistas, mulheres e ideologias.
Os homens passam e as obras ficam. Esta é a mensagem do filme « As Invasões Bárbaras ». E a saída está nas estantes para afugentar o fascismo velado nas primeiras leituras. Apesar de toda a burrice, de todos os fascilosófos dizendo que não há saída, apesar disso tudo, a sensibilidade e bom gosto sempre resistirão.
Filme: As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares)Pais: Canadá (Quebec)Idioma: FrancêsDireção: Denys ArcandRoteiro: Denys ArcandAno: 2003
O que a psicanálise tem a ver com o amor
Romildo do Rêgo Barros
(EBP-Rio de Janeiro)
« Nós amamos sempre aqueles que nos admiram; e nem sempre amamos aqueles que nós admiramos» (La Rochefoucauld, Máxima 294)
1. O amor é uma ilusão?
Cada vez que tentamos falar do amor, para tratá-lo teoricamente ou para descrever uma experiência, nossa ou de uma outra pessoa, nos defrontamos com uma dificuldade bem particular: a cada aproximação que fazemos, o amor parece escapar por entre os dedos, parece resistir a uma síntese. Aparecem inevitavelmente novos aspectos, novas subdivisões, a tal ponto que concluímos que o amor não é uno, e talvez não se preste a nenhuma síntese. Uma conclusão possível – e freqüente – é dizermos que o amor é uma ilusão, algo que nunca se atinge por inteiro. Sempre se dirá, ao final de uma situação amorosa: será que isso era amor de verdade? Ou foi uma pura ilusão?
quando uma experiência amorosa termina, fica-se sempre com a impressão de que o final foi precipitado por algum acontecimento, que terminou de forma abrupta, sem transição, e que no final das contas vamos ter que engolir em seco a interrupção, mesmo quando fomos nós que quisemos interromper. Mesmo neste caso, mesmo quando dizemos « já terminou tarde…! », em algum momento vamos ter que encarar a interrupção como perda, e não somente como libertação. Entra aqui a dimensão do ato, que nunca é gradativo.
A psicanálise deu um nome a essa experiência de retorno da dimensão da perda: « trabalho de luto ». Ele consiste, não exatamente em substituir um objeto por um outro equivalente – esta substituição por equivalentes em série corresponde bem mais a um sintoma da formidável crise que sofre o amor na cultura atual -, mas em tratar simbolicamente o fato de que uma repetição, ou seja, a passagem que se faz de um objeto para um outro, tem como causa a própria divergência que há entre eles. Ou seja, o trabalho de luto é a construção de um vazio simbólico para dar conta do que Lacan chamou no Seminário VI de « buraco no real »[1], numa passagem em que opõe o luto à foraclusão. Há um elemento na repetição que é de perda irresgatável.
Não é por acaso que o termo « ilusão » é com tanta freqüência associado ao amor. Há uma vasta literatura, sobretudo de inspiração romântica, que insiste no caráter ilusório da experiência amorosa, que em geral se manifesta sob a forma da decepção. Na verdade, estamos indicando com essa palavra não somente que algo na experiência amorosa sempre escapa, mas também que o que escapa talvez fosse o essencial. Não se trata, portanto de uma enganação pura e simples: a ilusão é a versão imaginária de um ponto de fuga que conduz ao real impossível que atua no amor.
Também não foi por acaso que Freud escolheu a brincadeira do seu neto com um carretel, que ficou conhecida no nosso jargão como a experiência do Fort-Da, para nos explicar em 1920 que entre o ganho e a perda, entre a presença e a ausência, entre a chegada e a partida, é preciso que o sujeito invente – trata-se precisamente de uma invenção – uma maneira de abordar a desconformidade fundamental que faz com que cada retorno seja diverso em relação à partida. Algo se repete, mas a cada vez se produz algo de novo[2].
A importância da experiência do Fort-Da está no fato de que a invenção por parte da criança se dá como brincadeira. O novo da experiência, que é no fundo o real impossível, se reveste de um caráter lúdico que inclui necessariamente a dimensão do luto. Temos aqui um feliz encontro etimológico, pois « ilusão » e « lúdico » têm a mesma raiz, o ludus latino, o jogo. Lacan afirma no Seminário XI que o lúdico é a própria dimensão da repetição[3]. Como sabemos, um psicanalista importante como Winnicott baseou a sua teoria sobre a criação na relação entre brincadeira e ilusão, e situou a criação no que ele chamou de “espaço transicional”.
2. “Eu é um outro”
Para Freud, como estamos habituados a ouvir, todo amor é narcísico. Aparentemente, isto quer dizer que só amamos um objeto se coincidir com algo de nós próprios. Neste sentido, cada um de nós é o paradigma do objeto de amor, uma vez que os objetos somente se tornam dignos de amor se correspondem ao que pensamos que somos. Esta idéia remonta a uma longa tradição de moralistas, que insistiram no caráter egoísta do amor. Já em uma obra de Cícero sobre a amizade, encontram-se comentários sobre a relação que o amor do outro mantém com o amor de si mesmo[4]. La Rochefoucauld (1613-1678), citado por Lacan várias vezes ao longo do seu ensino, ocupa um lugar especial nessa tradição, por ter situado o que chama de “amor próprio” na base dos nossos sentimentos e realizações, numa visão que aliás não é inteiramente estranha aos nossos tempos.
Mas, será que essa correspondência é perfeita? Será que o eu ao qual se refere o amor, bem como o seu objeto, são inteiros e estão situados simetricamente, um em relação ao outro? Em outros termos, será que existe um narcisismo inteiro? Penso que é interessante que pensemos no que diz Lacan em uma passagem do Seminário II, falando de La Rochefoucauld: « O que é escandaloso em La Rochefoucauld não é o amor próprio se achar, para ele, no fundamento de todos os comportamentos humanos: é ele ser enganador, inautêntico. Há um hedonismo próprio ao ego, e é justamente o que nos engoda, ou seja, nos frustra, ao mesmo tempo do prazer imediato e das satisfações que poderíamos tirar de nossa superioridade com relação a esse prazer »[5].
Penso que essa idéia de que o amor é narcísico merece comentários em dois planos: o primeiro, no plano do ideal, e o outro no do real.
No que se refere ao ideal, podemos tentar entender a frase de Cícero: « quem quer que olha um amigo verdadeiro, é um outro si mesmo que vê, mas ideal ». Ou seja, o « si mesmo » inclui o ideal. Conseqüentemente, inclui também a distância que existe entre o sujeito e o ideal, distância que, como sabemos, pode às vezes se manifestar como depressão, bastando para isso que pareça excessiva. A verdade do amigo, ou seja, o que faz com que ele seja um amigo verdadeiro, é no fundo a verdade de que o sujeito é um outro, como escreveu Rimbaud: não o outro representado pela pessoa do amigo, propriamente, mas pelo ideal do próprio sujeito projetado no amigo, nesse ponto no Outro onde o sujeito, como diz Lacan, pode se ver como possível de ser amado[6].
Se tentarmos ilustrar essa montagem com a experiência especular, vamos ver que a equivalência entre o sujeito e o outro no amor inclui o que não aparece no espelho: por exemplo, a resposta depressiva ao fracasso do ideal, tão freqüente nos fracassos amorosos, indica a visão que o sujeito pode ter de si mesmo como o objeto que não corresponde a nenhum ponto da imagem refletida.
Podemos dizer simplesmente que o amor não é todo, ao contrário do que se busca nas religiões. Não é que o amor seja algo de tão superior que a língua não alcança pronunciá-lo e nem defini-lo, mas, quase pelo contrário, é algo que se destina a compensar a assimetria que é inerente aos encontros com os objetos, ou seja, é um elemento que excede ao movimento que Lacan chamou de dialética do desejo. Aliás, Lacan usou uma expressão interessante para se referir ao amor e que me parece bem vinda: « sublimação do desejo »[7]. O amor, segundo esta expressão, é de certa forma uma parada no movimento dos objetos do desejo, que de outra forma seria sem fim.
No plano do real, o nosso exemplo mais conhecido é o horror que, segundo Lacan, sentia Freud diante do preceito de amar o próximo como a si mesmo[8].
3. Um amor novo
Michel Sylvestre, em um artigo que se chama justamente « Sobre o amor », opôs o amor de transferência à pulsão de morte. Segundo Sylvestre, só o amor de transferência, que é uma criação prática do dispositivo freudiano, pode ser uma proteção contra os efeitos da pulsão de morte, ou seja, contra o que pode haver de destrutivo no sujeito: « se podemos esperar algo do futuro da psicanálise, é sob a condição de dar-nos como objetivo abalar o sujeito na sua relação com a pulsão de morte, e o único meio de conseguir é de levar em conta do que há de amor de transferência na análise »[9]. Esta oposição entre amor e pulsão de morte é fundamental, sobretudo porque não se trata de uma oposição absoluta. Na verdade, o amor se opõe à morte, mas na medida em que ele próprio contém algo de mortal (vale a pena reler o diálogo entre Jean Hippolithe e Lacan no Seminário I, Os escritos técnicos, na aula de 7 de abril de 1954, que termina com a afirmação de Lacan: « nós todos sabemos que o amor é uma forma de suicídio »).
Cabe perguntar: o amor que se opõe à pulsão de morte é o mesmo amor da ilusão romântica, aquele que nos faria negar a existência da destruição e com isso nos permite viver?
Certamente que não. Na frase de Sylvestre, trata-se do amor de transferência contra a pulsão de morte, como condição a que a psicanálise tenha futuro. Sem essa relação, é a vitória da pulsão de morte, que arrastaria a própria psicanálise.
Há, porém. um aspecto um pouco mais sutil na frase. Na verdade, além do amor de transferência ser um recurso contra a pulsão de morte, que evidentemente ameaça a sobrevivência da psicanálise, temos também o amor de transferência como uma contribuição da psicanálise à civilização, no sentido de que a dimensão transferencial do amor, que de alguma forma é o objeto de trabalho cotidiano dos psicanalistas, pode trazer uma nova luz para o estatuto do amor no mundo, mesmo fora da experiência analítica. Pode ajudar a construir um « amor um pouco mais civilizado », segundo uma expressão usada por Lacan no Seminário XXI, « Les non dupes errent », título que tem em francês um som semelhante a « Os Nomes do Pai », e pode ser traduzido como « Aqueles que não se deixam tapear erram »[10].
4. Filía, agapé e eros
Os gregos resolveram à maneira deles essa tendência que o amor tem à dispersão, usando, não uma, mas três palavras para designá-lo: filía, agapé e eros. Cada uma delas se refere a um tipo de amor. Filía é normalmente traduzido como amizade, ou seja, como um amor não passional. Agapé, que com o cristianismo foi elevado à condição de amor sublime, que conduz à eternidade, tem algo da filía, no sentido de que não é passional e nem se apóia na falta do objeto, com a diferença de que se pretende universal. O eros, por sua vez, é definido por Platão em O Banquete: “se nem todo desejo é amor, todo amor, pelo menos esse, Eros, é desejo ».
A psicanálise, como estamos habituados a dizer, procura levar em conta o que há de pulsional no sujeito, para assim evitar uma idealização, que, como Lacan nos ensinou, tem um horizonte de destruição.
Ora, não é só a psicanálise que pretende, através do amor, mobilizar as forças da vida. Também a religião, e em particular a religião cristã, tem essa intenção.
Um bom exemplo é a primeira Encíclica de Bento XVI, « Deus é amor » (Deus caritas est), publicada recentemente[11]. Nesse documento, o atual papa apresenta uma teoria sobre a posição da religião a respeito do amor que merece a nossa atenção. Defendendo a Igreja da acusação (o texto cita nominalmente Nietzsche como um dos acusadores) de ser contra eros, no sentido de que este seria o amor carnal da antiguidade grega, com práticas consideradas pelo papa como « desumanas », como a prostituição sagrada, Bento XVI argumenta que, pelo contrário, o que a religião promove não é a condenação do eros mas a sua sacralização, de tal maneira que no fim se realize a vocação « uni-dual » (o termo é do papa) do ser humano, através da absorção do eros pelo agapé (« o eros é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão purificado que se funde com a agapé », escreve a Encíclica). A presença do eros, ou da paixão, no amor cristão, se origina, ainda segundo a Encíclica, no Antigo Testamento, através de certos textos de profetas como Ozéias e Ezequiel, que afirmam a paixão que tinha Deus pelo seu povo.
Voltando à questão que inspirou este texto: o que a psicanálise tem a ver com o amor? Será que o seu objetivo último, a sua finalidade ética, é de conciliar eros e agapé numa universalidade, sob o manto de alguma transcendência?
O primeiro compromisso da psicanálise e dos psicanalistas – e o último, alertava-nos Lacan – é com o sintoma. Seja para reconhecê-lo como um digno representante do sujeito, seja para tentar moderar os seus efeitos de gozo mortífero, nossa tarefa nos impede de pregar a fusão entre o eros indomável, o pulsional, e a grande reunião do agapé, fusão cuja impossibilidade já nos foi anunciada por Freud.
No Seminário XXI, Lacan nos indica a via: « é com o imaginário do belo que ela (a psicanálise) tem que se afrontar, abrindo caminho ao reflorescimento do amor como (a)muro, como eu disse um dia, escrevendo objeto pequeno a entre parênteses mais a palavra muro, pois o (a)muro é aquilo que limita »[12].
Trata-se, portanto, de criar novos limites. Não um limite garantido pelo poder do pai ou pelas promessas da religião, mas um outro, sem dúvida mais modesto, que possa não negar o que há de gozo no sintoma, e que ajude o sujeito a responder por ele.
O que é Uma Escola de Psicanálise?
Uma escola não é lugar de descanso, mas de trabalho decidido pela causa analítica. Uma escola não é um lugar feito sob medida para alguém. É até mesmo o seu contrário: um lugar onde ninguém sabe sobre o Outro, pairando assim, a dúvida: O que o Outro quer? Não estamos falando de uma escola qualquer, ou qualquer uma. Uma escola de psicanálise não serve para nada. É preciso se endereçar a uma escola, no singular. Não se trata de lugar x, y, z, fazendo uma série que formaria o conjunto de psicanalistas da cidade, mas de uma escola que transmita a psicanálise mantendo o claro e o escuro, a luz e a sombra; acolhendo o não-todo, a singularidade, a diferença absoluta. Não podemos falar da escola de fulano, de beltrano, mas da Escola onde depositamos nossa transferência de trabalho, onde apostamos nossas fichas. Como na vida, uma aposta!
Estamos infectados pelo vírus da Psicanálise na « époque » lacaniana, elucidada por Miller. Assim vejamos:
“O encontro entre Jacques Lacan e J. A. Miller não produziu apenas um aumento de legibilidade, penetração ou atualização do primeiro pelo segundo mas, sim uma clínica própria a ser extraída e demonstrada por nossas práticas (…). Visaremos extrair o modo como para cada um a leitura de Lacan por J. A. Miller produziu efeitos em sua experiência: como analista, analisante, estudante, profisisonal no campo da saúde mental etc. »
Uma Escola de Psicanálise tem como objetivo aprofundar os conceitos fundamentais da psicanálise, tendo em vista a clínica. É destinada a todos aqueles que operam ou pretendem operar clinicamente a partir de uma orientação fundamentada numa ética, a da Psicanálise. Tanto a Psicanálise pura, quanto a psicanálise aplicada à instituição, se integra a uma formação, visando, em sua base, a sustentar a atualidade da clínica psicanalítica no século XXI, como uma resposta possível ao empuxo cientificista vivido em nossos dias. A questão é como formar um analista-cidadão, também em busca de uma política.
A escola, diz Miller, é um dedo apontando para o céu vazio, como um emblema da posição analítica. Indica então um vazio que está em outro lugar.Assim como, também no lugar de analista este faz alusão que nos põe a ver a direção de outra coisa. Essa posição só é apreendida no divã, onde o sujeito vai poder se a ver com as dificuldades da vida moderna.
« Fazer algo conjuntamente, fazer algo de maneira coletiva não vai bem com o discurso analítico », onde cada sujeito vai ter que se deparar com a sua « solidão no mundo ». Miller aponta também que o ofício de analista é delirante na medida que pode se elevar a condição da subjetividade ao absoluto. Ele comenta que os analistas são aqueles que se pensam sós, pois é a própria experiência analítica que favorece isso. O analista só é analista quando analisa. Assim é que nada de « todos juntos », » unidos venceremos »; mas cada um seguindo seus próprios passos, e com mais alguns. Afinal, andorinha nunca fez verão; diz Miller em seu seminário de 2004. Somos peças avulsas que tratam de pôr em funcionamento uma Escola?
Na experiência analítica, tal como no nascimento e na morte, cada um faz a travessia sozinho. A lógica do um por um aqui tem suas ressonâncias: os analistas só se contam um a um. O que vem ser uma Psicanálise de Orientação Lacaniana? Como não tornar isso uma ajuda, um aconselhamento? Ao reconfigurar a psicanálise estamos também reconfigurando a posição de analista? Sabendo que a Psicanálise não é uma psicoterapia, vejamos então esse comentário:
« No pequeno livro do padre Calvez (…) gostei de encontrar a palavra “orientar”. É disto que se trata nos Jesuítas, de « orientar ». Vocês podem imaginar o quanto isso toca a mim, cujo curso chama-se « Orientação Lacaniana » há vinte anos. A idéia é que possamos dar no bom momento a pequena inflexão que convém, o clinamem oportuno. Curiosa definição de orientação que não se sustenta na idéia de uma reta, ou de um saber já estabelecido mas, sim, na noção de que orientar é realizar o pequeno desvio conveniente no momento oportuno. »
O analista, como tal não existe. É o que há de comum entre o analista e a mulher, diz Miller nos lembrando de um dos aforismas lacanianos. Isto requer um debate maior: o que não existe é o Analista, o que não impede a presença dos analistas no mundo. « Significa que não há um conceito de analista, uma essência do analista, uma idéia » – uma carteira de identidade que diga o que ele é. Analista é alteridade do que chamamos na Psicanálise de obeto pequeno « a ». Analista não é profissão, plaquinha para se colocar na porta de consultório. O analista não depende de um diploma, e de nenhum título. A sociedade está muito exigente com os analistas hoje, mas isso é mais-um desafio para todos aqueles que se lançam na causa analítica!
Miller sustenta que os analistas podem representar o outro, precisamente o outro e não « o mesmo ». Apesar de usarmos a palavra analista, falta o significante que o represente. O analista pode ser um praticante ou um analisado, isto é, nos diz Miller o « colmo do analisante que foi ».Lacan também propõe ao mesmo tempo que ao exame da competência do analista praticante, faça-se o exame da performance do analisante. Não se trata aí de qualquer competência nesse mundo onde tudo é contabilizado,mensurável e calculável, mas alguém competente em acessar o inconsciente. Há, pois, um cálculo lógico em jogo, uma tática e uma estratégia,uma interpretação da transferência, enfim, o insconsciente é uma política. A Política da Psicanálise é, em primeiro lugar, instaurar a questão por que se faz uma análise. Ninguém decide ser analista, não se trata de uma decisão, de uma escolha. É necessário assumir as consequências do discurso, uma ética do insconsciente. A ética não é aquela que preconiza o que se deve ou não fazer, mas sim responsabilizar-se pelo desejo. Há muitos que não querem ouvir falar em política, os anjos e santos da Escola… Mas é preciso que se vá em busca de uma política,que se vá atrás, ou na frente! Há uma responsabilidade em jogo, de ordem sexual:
« Lacan, através de um retorno a Aristóteles, mostrando uma presença em termos deste na obra de Freud, sublinhou na ética a problemática do Mal e do Bem Supremo e não relativamente à obrigação ou à interdição, mas sim a atração. Também o tema prazer, através do que, pode-se produzir o gozo ».
Diferentemente da Ciência,a Psicanálise não precisa da verdade para existir. Ela convive em harmonia com a contradição, com o desacerto, com o que rateia-o que é da ordem sexual. Há no entanto, uma primeira forma de se pensar o inconsciente como revelador de uma verdade do sujeito. Se estamos no registro do sujeito,há verdade e sintoma. Se demos um passo a mais, aí estão o falasser, gozo e sinthôme. Como ler o inconsciente nos tempos atuais,já que a tarefa interpretativa não está a serviço de um deciframento, de um enigma a ser resolvido; que orientavam a primeira clínica? Aquele que tem como ofício a psicanálise nos dias de hoje se vê diante de múltiplos desafios: virar-se com sua análise e atualizá-la aos novos tempos e, também, enfrentar analisantes que nada demandam- ao analista e a ninguém – acerca de sua existência,sofrimento ou dor de existir. Faz-se necessário rever antigas posições,desmbaraçar-se delas, e restituir frescor ao ato analítico sempre inédito mas que não surpreende o « novo » analisante ». Faz-se necessário pensar que Escola, que Delegação estamos a construir… Se a Psicanálise não é uma religião e isto só acontece quando não há clínica, muito menos ela é uma seita em torno de um líder.
O passe então, vem verificar se há ali realização de um sujeito, não pensando este momento como um « happy-end ». O sujeito se realiza quando não está ligado a questões de gênero, espécie, etc, nos ensina Lacan. O passe é onde se verifica, diz Miller, se ali houve uma análise. Toda análise é mal-feita, mas o inconsciente é a marca do defeito no mundo e prova de que somos constituídos por essa marca. Na realização do sujeito, há a falta de um significante que o represente. Esse momento é correlato ao que chamamos, em psicanálise, de queda das identificações. Os significantes quedam porque se pode separar o sujeito de seus significantes mestres, onde não encontra mais lugar no Outro. A análise é uma experiência e nela nos deparamos com o Outro que não existe. A destituição do sujeito está firmada pela insuficiência de representação: falta-a-ser onde o sujeito se encontra.
O que queremos dizer quando falamos a palavra Escola, Instituição, Delegação, Sessão? O que esses significantes representam para cada um de nós? Miller diz que, se tanto falamos em instituições e os analistas são « experts » no assunto, é por que queremos reestabelecer um Outro que não existe? « Porque, ao se submeter à experiência analítica, experimentam de maneira intensa a falta-a-ser e, tanto mais aspiram a ter um lugar no Outro. » O analista é como um acrobata, quase um trapezista… Lacan pensou em uma Escola que não obstaculizasse o discurso analítico. A sátira e a ironia não fazem desaparecer as mais diversas instituições. Então, que Escola queremos ter? A Escola que fazemos é, pois, uma consequência do discurso analítico, nos diz Miller. Um analista membro da Escola: aqui não entram chatos! Seria um bom motivo para permenecer em uma Escola: sejamos menos chatos possíveis!
Há uma outra política que é a tranferência de trabalho, que diz respeito ao ensinamento que se transfere aos outros, para diferenciar intensão de extensão; pura ou aplicada. A psicanálise não é para ser consumida em golinhos em benefício próprio, isto seria um saldo cínico. Faz-se necessário submeter-se à prova do ensino, este que só se transmite com seus prórrios estigmas, marcas e cicatrizes.
Lacan chama de Escola o lugar onde se ajuntam sujeitos em torno de um não-saber. Um não-saber acerca do que é um analista. Miller diz que o passe instala a instituição analítica no coração mesmo da experiência analítica, a mesma que coloca uma questão: « O que é um analista? ». Uma instiutição que inclui o passe está construída ao redor de uma falta, ao redor do A barrado, ao redor de um não-saber – ao que Lacan chama Escola. Paradoxalmente, o que é o mais importante da Escola não é o que ela sabe – mas o que não sabe, o mais preciso saber da Escola é o que ela não sabe.
Afinal, cabe aqui a pergunta: porque em São Luís poucas pessoas se dividem em tantos grupos? A Psicanálise aqui chegou antes da Psicologia e essa questão ainda hoje é pertinente. Há uma querela política aí: cada coronel querendo ser diretor do seu nicho, de seu pedaço. O que acontece no « feudo » de Sarney, se repete na trajetória da Psicanálise no Maranhão?Na época lulista onde impera o tal « eu não sabia que »…não podemos levar isso para a nossa prática. Na Psicanálise , ninguém , mas ninguém mesmo é inocente. Mas há de se se ter alguma cautela: não podemos condenar o que acontece como imoralidade de todos, sem perceber o que nós temos a ver com essa questão. Não podemos fazer como Dora, paciente de Freud, que aponta a desordem no mundo sem se implicar aí. Uma escola não pode ser feita de belas almas!
A escola de Lacan procura abordar a questão da autorização e da garantia se posicionando exatamente entre as duas. O príncipio: o analista autoriza-se de si mesmo, é anterior à garantia-esta é dada pela Escola. O passe, enquanto dispositivo, é recurso para investigar exatamente o quê? O analista precisa pôr-se à prova. No passe, uma pergunta é feita: como se constiuiu o desejo de saber? Na proposição de 67 sobre o psicanalista de Escola, Lacan apresenta o passe como um procedimento no qual « um psicanalista para fazer-se autorizar como analista da Escola, falará de sua análise ». Aí seria o caso de lembrar que a autorização não é dada por si mesmo, mas com mais alguns.
Sessões curtas, « autorizar-se de si mesmo », acabaram virando uma banalização na prática analitíca onde operam mal-entendidos. Há aí um analista, há de se perguntar… Alguns se autorizam « cedo » demais, outros nem sequer deitaram no divã… Como controlar essas práticas, a não ser via Escola, onde um analista vai prestar conta de seus atos, como um lugar onde se possa endereçar suas questões acerca da clínica e possa também aí, falar de seu percurso de análise? Com Éric Laurent, há uma revitalização do dispositivo do passe: ele funciona!
Freud e Lacan enfatizam a importância da transferência de trabalho produzindo « trabalhadores decididos » pela causa analítica e não mais por um ideal. Há idealização em torno da Escola. Como trabalhar para que isso não impeça o trabalho e produza militantes do desejo? É preciso que haja um rompimento com antigas formas de transmissão. A escola de Lacan concebe um lugar que sirva de refúgio contra o mal-estar na cultura. Na hiper-modernidade, onde há vários apelos do mercado, a Escola ainda é refúgio? A Escola visa colocar a céu aberto o real da experiência analítica. Ela o faz, na proporção em que propõe a instalação da verificação dos analistas através do passe. Esse é o diferencial dos chamados « grupos de psicanálise ». A reunião de analistas não forma grupo por considerar que o saber em jogo é um saber que não pode ser aprendido numa aula ou lendo um texto. O saber em jogo é um saber peculiar sobre o gozo-que deverá ser teorizado e reinventado a cada análise e onde o dito vai até o limite da impossibilidade. É impossível dizer tudo o que se passa numa análise, no entanto se faz necessário formalizar acerca do que ali foi vivido: passar adiante o que da ordem do real, daquilo que se experimenta em uma análise à partir do saber inconsciente. O saber no qual se referencia uma Escola não é da ordem da acumulação, mas formulado no dia-a-dia da clínica. Na transmissão da Psicanálise, o analista não pode julgar-se senhor de um saber. A este saber, ele apenas empresta, dá suporte, para acolher as questões que um sujeito faz à outro, dando lugar a um endereçamento e relançando a transferência aos textos de Freud, Lacan e Miller.
Para a Escola Brasileira de Pasicanálise estão convidados aqueles que, de alguma forma, se interessam pela Psicanálise-analistas ou não; Aliás a presença de não-analistas é muito bem-vinda na medida em que produz um tensinamento que gera trabalho. A todos que estão aqui, sejam bem-vindos ao Mundo da Psicanálise. Este é um convite para que todos aqui estabeleçam uma transferência de trabalho à Escola Brasileira de Psicanálise, e que venham somar com suas valiosas contribuições o sonho de construir uma Delegação no Maranhão.
Thaïs Moraes Correia
Psicanalista-membro de Delegação Geral MA e aderente da Escola Brasileira de Psicanálise
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Psicanálise e Religião
Corpo e Sintoma
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