Foi essa a questão que recebi dos colegas que coordenam a rubrica EBP-Debates, Frederico Feu e Paula Borsoi, a quem agradeço a ‘provocação ao trabalho’*. Ao ler a questão colocada por eles fui remetida, de imediato, ao Lacan do final do Seminário 7 sobre a Ética da Psicanálise.
Abordar a alta na experiência analítica me direciona a algo tremendamente ético. Até onde vai uma análise, e o que se faz com uma experiência tão radical para um sujeito? Se a procura por uma análise parte de uma demanda por extinguir um sofrimento em busca da felicidade, o que podemos dizer da forma como termina essa experiência? Seria diferente para quem se torna um analista e para aqueles que demandam o passe? O que nos ensina o manejo com o inconsciente é que a ética do desejo não se orienta pelo serviço dos bens, ou seja, pelo que se alcança de bens de família, bens de ofício ou privados.
O analista não promove esse acesso aos bens sem que o sujeito tenha se confrontado com sua condição de ser falante, para utilizar um termo recentemente resgatado por Miller. Lacan nos fala « da dimensão trágica da experiência analítica ». A demanda pela felicidade, tão almejada pelos que se dirigem a um analista, está atravessada pela satisfação das tendências humanas, sejam elas de qualquer natureza, as mais comuns da condição humana.
E, desde Freud, sabemos que a solução para o impossível da adequação do objeto à pulsão ocorre pelo mecanismo da sublimação. Sublimar, ensina a Psicanálise, é encontrar uma satisfação da tendência através da mudança de sua finalidade. Isso requer dar um novo destino ao saber do analista. Penso que muitas altas são obtidas quando a pulsão pode se dirigir a novos contornos do objeto. Essa travessia oferece ao sujeito um apaziguamento de seu sofrimento, uma vez que lhe foi possível obter um efeito de satisfação das pulsões provocado pelo esvaziamento da crença na garantia do Outro.
Estaria a questão da satisfação do desejo resolvida aí? Acredito que a experiência com o inconsciente leva também àqueles que demandam tornarem-se analistas, um pouco além dessa satisfação. Há alguma coisa na relação do objeto com a satisfação que vai além desse encontro. Trata-se de uma dimensão ética – ao mesmo tempo trágica e cômica – que traz uma interrogação ao analista e que diz respeito ao sentido da ação. É uma dimensão comumente ocupada pela religião e pelas propostas filosóficas, que necessariamente apontam para um segundo plano da condição humana: Deus! Essa dimensão é do ponto de vista analítico habitada pela experiência com a morte. « A vida tem algo a ver com a morte? », interroga-se Lacan.
Esse ‘epos’ trágico próprio a invasão da morte na vida, faz do analista aquele que não espera a ajuda de ninguém diante da desolação – a hilflosigkeit freudiana – de encontrar-se com seu ser-para-morte. Nem todo aquele que atravessa a experiência com um analista deseja ir até esse limite, onde seu gozo se desliga do sentido e da verdade. Muitas análises se findam pela experiência sublimatória, ou como disse certa vez Lacan, quando o sujeito se sente felizz.
*Boletim Informativo Nº 348. 11 de outubro 2014. Textur@ando