Seminário
« Portais da Descoberta » O caminho até a incompletude
Por: Carlos Genaro Gauto Fernandez
Sinopse: Ary Farias
O caminho até a incompletude, assim Carlos Genaro Gauto Fernández nomeou a intervenção de outubro do seu Seminário – Portais da Descoberta que acontece mensalmente na Delegação MS/MT da EBP.
Caminhar até a incompletude, de imediato, já coloca em suspensão a lógica complementar dominante, que reza a completude como o objetivo a ser alcançado. Partindo desse pressuposto, a fala de Carlos Genaro propõe uma inversão, passando o vazio e o além do sentido como o desfecho almejado.
Genaro propõe inicialmente pensarmos a psicanálise nas vertentes do ensino e da transmissão, salientando que a primeira envolve necessariamente uma meta, o que não é para todos, enquanto que a segunda é para os poucos que se sujeitam a experiência no divã. Incita a experiência analítica para além do lugar comum, sendo uma prática que não se limita ao sentido. Ao contrário, cabe a psicanálise desvelar perspectivas ao sujeito para além do plano identificatório, especular.
Ainda que se coloque como o suporte da travessia imaginária, ao analista cabe conduzir o analisante a engajar-se na falta central, qual seja: a morte, o recalque primário, o objeto de desejo perdido. Afastado desse viés, a prática analítica está sob o risco de impostura.Na análise é preciso o aparecimento do inconsciente, Genaro relembra que a fala irrefletida (associação livre) é necessária para que haja inconsciente. Se a irreflexão deve ser a condição da fala do analisante, nem por isso deve o analista buscar tomar parte dessa irreflexão, ao contrario, sua escuta deve estar postada para capturar o detalhe, a verdade do desejo diluída nos pequenos e recorrentes acidentes na fala do analisante.
Ao analista cabe apontar esses percalços de verdade. A fala do analisante, que deve ir muito além do social, teve refletir o vazio, o irrepresentável da vida do analisante. Essa proposta, em sua radicalidade deve romper a barreira do “não sei”, lançando o sujeito a experimentar uma abertura do inconsciente em si. Para tanto, o analista não responde a partir do plano especular, e sim de um outro lugar cuja prerrogativa, cujo vazio, incita o aparecimento do desejo, não do analista, e sim do analisante. O desejo do analista é ocupar este lugar-causa.
Ao mirar além do sentido, a análise busca o irrepresentável, aquilo que não está contido numa fala comum, dita “normal”.Buscando ilustrar o irrepresentável, a fuga do sentido, Carlos Genaro apóia-se no quadro de Holbein, Os Embaixadores, que ilustra a capa do Seminário 11 de Lacan e também no Mito de Dafne.
De Holbein, toma aquilo que interessa a psicanálise e aos psicanalistas, visto que isso, via de regra, se encontra para além das aparências. Esta pintura renascentista traz a personificação do sujeito e todas as suas colagens identificatórias, plenamente amparadas pelos objetos que funcionam como insígnias de tudo que é preciso saber ou ter. É a imagem da soberba, do homem plenamente identificado aos seus papeis sociais e condecorações alienantes.
No entanto, o enigma da obra, que é justamente aquilo que nos interessa, encontra-se submerso ao rol das aparências. Há na base do quadro a imagem de uma caveira, representando a morte. Ainda que a expressão seja sistematizada, não é plenamente estruturada enquanto imagem, uma vez que vê-la, requer de quem olha que ocupe uma determinada perspectiva em relação ao quadro, caso contrário, a morte se esconde, como na vida. Genaro relembra então o conceito de anamorfose, que nos permite ver algo que não estava visível, um traço que não se mostra ao senso comum, ou dito na perspectiva do tratamento analítico, o gozo irrepresentável.A partir do quadro de Holbein Genaro discorre sobre conceitos e constatações importantes às duas clínicas de Lacan:
1 – A mortalidade humana é um limite que escurece a visão de Deus;
2 – É necessário contar com a morte, que não fala nem diz por quê;
3 – A morte diz respeito ao tempo e ao lugar. Na primeira vertente é um limite, na segunda aponta para uma descentralização do sujeito em relação ao inconsciente, do que se deriva que o inconsciente é aquilo que sou, mas que não comando;
4 – Aquilo que se diz não é claro. De base, há uma opacidade.
Avançando, Carlos Genaro, apóia-se no mito de Dafne para discorrer sobre o objeto, que para o sujeito se apresenta sempre como esquivo, uma miragem da qual o sujeito não deve nem pode abrir mão.
Tal como Dafne, que escapole a toda aproximação de Apolo, o objeto se posiciona em relação ao sujeito como algo inalcançável, porém, não tanto a ponto de levá-lo à desistência.
Por fim, Carlos Genaro elege a escuridão e o desconhecimento como os grandes amigos da vaidade humana, relegando a todos, uns mais, outros menos, uma submersão ao mundo acachapante das aparências.