Quarta-feira, 15 de janeiro 13 h 27 [GMT +
NÚMERO 368
Eu não faltaria a um Seminário por nada do mundo— Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolha — AgnÈs Aflalo
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– Escritas –
Sollers e La Règle du jeu: Medium
Domingo, 19 de janeiro, às 11 horas, haverá, no cinema Saint-Germain, no âmbito dos Seminários La Règle du Jeu, uma conversa com Philippe Sollers, animada por Alexis Lacroix, por ocasião da saída do seu último romance Medium.
No site de Philippe Sollers, poder-se-á ler uma entrevista do autor e descobrir as primeiras páginas do seu romance ici.
Entrada livre e grátis. Cinéma Saint-Germain, 22, rue Guillaume Apollinaire, 75006 Paris – Métro : Saint-Germain-des-Prés. Informations disponibles sur le site de
La Règle du jeu.
E se Victor Hugo gostava do Inconsciente ?
por Dominique Miller
A Casa de Victor Hugo organiza, já há algumas semanas, uma exposição, «
La Cime du rêve – Les Surréalistes et Victor Hugo », « O Ápice do sonho – Os Surrealistas e Victor Hugo » – que se propõe a afirmar que o escritor gostava do inconsciente… Como todo artista, ele usava a escrita para abordar a realidade dele, ou seja, para inscrever uma realidade que não era nada mais que psíquica, assim como também defender-se e assimilar o real.
Nessa exposição, aparece um Hugo que usava a escrita com uma liberdade pouco usual, graças à qual, ele deixava transparecer uma realidade fantasmática fora de sentido. A relação estabelecida entre Victor Hugo e o surrealismo demonstra o quanto, atrás do seu classicismo ou através dele, a escrita está aí para cernir o real. Assim, o mestre do alexandrino, como o chamava Desnos, é também aquele de vários tipos de escrita, das mais acadêmicas às mais indefinidas, compostas, ou até discordantes. Vemos-lhe explorar a força da escrita – até diria, da marca, do traço. É o que se destaca da escolha decidida do procurador da exposição, Vincent Gilles, o de mostrar o quanto Victor Hugo foi precursor do surrealismo.
Para demonstrá-lo da maneira mais convincente e sutil, ele pôs em relevo todas as formas de escrita que Hugo usou nos desenhos dele, em particular, formas muito próximas do que será a matéria do surrealismo na escrita e na pintura.
Os surrealistas mantiveram uma ambivalência com a obra e a pessoa de Victor Hugo. Alguns reconheceram um parentesco, seja inconsciente, intencional ou reivindicado. Outros negaram terminantemente essa paternidade sugerida pela exposição, sem, no entanto, afirmá-lo categoricamente. Na corrente surrealista, aqueles que não reconheciam Hugo como sendo da patota, o faziam por uma razão óbvia, pois o escritor era considerado clássico demais, « profissional » demais da escrita – ele que podia sentar à mesa todas as manhãs e escrever duzentos a duzentos cinquenta versos por dia – acadêmico demais, portanto. Como podiam os surrealistas aceitar em meio a eles, um acadêmico! Por outro lado, havia gente como Max Ernst, que admitia essa influência. Ou então, gente como Desnos que não recusava esse qualificativo de «hugolatra».
Então, por que essa aproximação entre Hugo e o surrealismo, a ponto de fazer disso, o objeto de uma exposição na própria Casa de Victor Hugo? São, justamente, as diferentes formas que o escritor dava ao traço para desenhar, que decidiram esse cotejamento. A impressão, a mancha, o pochoir, a decalcomania, o riscado do lápis, a charada, o gosto pelo composto, por uma forma de escrita automática no desenho, tudo aquilo identificava Hugo desenhista com a pintura surrealista. O trabalho sobre a mancha feito por Hugo, por exemplo, lembra, a posteriori, o sucesso das tábuas do Rorschach para os surrealistas, manchas às quais, se deve dar sentido. Da mesma forma que a decalcomania tão prezada por Hugo: precisava prensar uma folha numa outra em que era espalhada pintura. Pode-se comparar este processo pictural com a escrita automática.
Mas, o que aparece aqui como uma aproximação técnica sugere um outro ponto comum que, aquele, interessa particularmente a psicanálise. Victor Hugo partilhava com o pensamento surrealista, o gosto pelo sonho e, por meio deste, o intento de provocar uma leitura do invisível a partir do visível.
O invisível era feito para revelar uma Outra dimensão, uma Outra cena que o intrigava. A exposição faz valer uma semelhança nesse ponto entre Max Ernst e Hugo, o fato que tanto um quanto o outro procuravam provocar um «olhar alucinado» por meio do desenho. Daí, o uso da impressão na narração do autor dos Miseráveis.
Quando Cosette quer escrever a Jean Valjean e deixa na mesa um mata-borrão que só ele vai poder ler. Então, Hugo descreve um procedimento, aquele das letras invertidas que só formam uma mensagem quando vistas no espelho. O «olhar alucinado» é tanto o de Hugo, que imagina e descreve o procedimento, quanto aquele do seu herói que vê surgir a mensagem no espelho. No mesmo espírito, constata-se que Hugo e Ernst usavam uma mesma metáfora, a do «mergulho», numa outra realidade, pelo traço, para o escritor e para o pintor, a de ser um « nadador cego ».
Enfim, é a relação de Desnos e de Hugo com as palavras que autorizam essa aproximação com o surrealismo. Não é somente porque Desnos considerava o uso por Hugo, do alexandrino, como sendo a frase poética por excelência. Mas também porque partilharam a mesma alegria em produzir jogos de palavras. Isso é que faz dessa prática, uma escrita chamada «bouts rimés», em que se dá ao jogador, quatro rimas escolhidas ao acaso para que, com isso, faça um poema, e também o gosto comum que tinham pelo trocadilhos, ou ainda pela gíria, cuja invenção, Victor Hugo, ele mesmo reivindicava. Enfim, sublinhemos a atração divertida que os dois escritores tinham pelas charadas (como se pode achar no álbum de Juliette Drouet).
Hugo era um apaixonado pela escrita. Da mancha ao alexandrino, qualquer traço parece tê-lo instigado. Mas enquanto fez reconhecer a sua prosa e os seus poemas, não publicou nenhum dos seus desenhos.
Por isso, pode-se dar-lhes um estatuto particular, que a aproximação com o surrealismo ajuda a fazer: eles diziam uma coisa fora de sentido, desarticulada, mostravam aquilo que não era visível a olho nu, parecido com aquele jogo de letras e do espelho do mata-borrão de Cosette.
A escrita hugoliana era fluente, mas rigorosa. O desenho era um jogo, um divertimento para Hugo. Pode se pensar que a liberdade que acompanhava essa outra maneira de desenhar o seu Ser não era, de fato, longe de delinear um Hugo mais próximo do Inconsciente, no sentido de que, de qualquer forma, esses parênteses desenhados celebravam uma Outra escritura que não lembrava mais Victor Hugo. Aliás, guardava-os para ele, na esfera privada.
Maison de Victor Hugo: 6, place des Vosges – 75004 Paris – 01 42 72 10 16
– Um real para o século XXI –
Um certo «savoir-faire» com o real da morte
por Damien Botté
Estamos no dia 3 de dezembro de 1996. Quase 18 horas. Um jovem acompanha amigos ao aeroporto de Orly. De repente, uma bomba explode no quarto vagão da linha do RER B, em plena estação Port-Royal em Paris. Este pequeno grupo se encontra, então, no terceiro vagão. Ele lembra perfeitamente do ambiente que reinava na estação e me descreve: o barulho foi «traumatizante», tão potente quanto um «obus de canhão». Tinha um «buraco enorme» no vagão vizinho, «todas as vidraças tinham se partido» e havia uma «mulher morta na estação». Tudo estava «devastado» e era o «pânico»! Frente a todo esse horror, ele se pôs a chorar e só pensou em uma única coisa: «salvar minha pele». Explica-se detalhadamente sobre esse episódio importante: «Depois de três ou quatro segundos de incompreensão, pus-me a correr o mais rápido possível para sair da estação». Insiste num fato, durante essa corrida desenfreada: «Admirava as pessoas que davam a volta para socorrer os inúmeros feridos, jamais eu teria conseguido fazê-lo». E continua a contar a história dele de maneira cronológica: «Quando cheguei fora da entrada do metrô, fiquei imobilizado durante meia hora». Ele explica esse fenômeno da seguinte maneira: «Eu tinha medo que uma outra bomba explodisse perto de mim». E acabou a sua descrição com essa última frase: «Eu só tomei consciência do que realmente tinha acontecido, quando vi chegar Debré». Jean-Louis Debré era então, ministro do interior.
Face a esse real fora de sentido e contingente, a literatura psiquiátrica nos informa geralmente que viver esse tipo de situação provoca um estado de stress pós-traumático, conforme à apelação do DSM, ou uma neurose traumática, conforme o significante analítico pós-freudiano. Do que é que se trata para esse homem ?
Nas sessões, insiste sobre as consequências a curto prazo desse atentado. Durante dois dias, ficou trancado dentro de casa, sem poder sair nem para comprar cigarros. Na noite do atentado, os amigos quiseram fazer uma festa, mas, a esse respeito, disse: «Não podia fazer uma festa, pois tínhamos escapado da morte». Na primeira noite, quase não conseguiu dormir, pois não parava de pensar, de ter pesadelos, assim como nas noites seguintes. Por outro lado, uma fobia dos transportes coletivos se manifestou durante três ou quatro meses e desapareceu progressivamente, exceto na região parisiense. Nesse lapso de tempo, essa fobia o impediu de tomar o avião para ir passar as férias de fim de ano na casa do pai. Uma outra fobia se manifesta ao mesmo tempo, que também não vai durar, uma impossibilidade de comer carne que explica assim: «É, foi depois que eu vi todo aquele sangue, todo aquele pessoal despedaçado». O empobrecimento objetal, a apatia-astenia, também não se encontra nele e ele vai conseguir rapidamente voltar a trabalhar.
Ou seja, não reencontramos os sintomas patognomônicos da neurose traumática, mas os sintomas fóbicos em reação ao acontecimento. Ficou assustado e depois angustiado pelo atentado, mas o pavor no sentido literal não pode ser validado pela análise do que viveu com esse acontecimento. As fobias, como montagem libidinal, permitindo bordear a angústia com o medo, permitiram, afinal, ultrapassar esse confronto com o real da morte. Uma palavra paterna vai ajudar a vestir esse fora de sentido. A interpretação administrada pelo pai idealizado, respeitado por todos, vai se enodar com suas convicções católicas e lhe permitir afirmar que Deus o poupou, fazendo-o subir no terceiro carro, e não no quarto, em que poderia ter perdido a vida.
Basta pouca coisa, às vezes, para que um confronto com a morte não se transforme em trauma que faz efração do lado do pavor. Uma montagem libidinal fóbica, a palavra de um pai simbólico consistente que desperta, a crença em um Outro que existe. O trauma não está sempre presente lá onde se poderia pensar achá-lo sistematicamente. A particularidade de cada falasser veste, cada um a seu modo, esse confronto com Um real fora-sentido. Mas, para isso, é preciso passar pela necessidade do sintoma, quer seja fóbico ou outro, e pelo impacto de um significante vindo do outro. Isso pode permitir circunscrever, « estofar » a parte irrepressível de contingência refletida pelo real. A necessidade, sintomática e fantasmática, responde à contingência, a fim de que o impossível possa, às vezes, achar um lugar sem desordenar o mundo de cada falasser e abrir o campo dos possíveis.
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– Revista de imprensa US United Symptoms –
Os adultos são grandes crianças
por Jean-Charles Troadec
«Os sintomas na civilização são antes a decifrar nos Estados-Unidos da América»
Eric Laurent e Jacques-Alain Miller, O Outro que não existe e seus comitês de ética.
O distúrbio de hiperatividade e atenção deficitária (Attention Deficit and Hyperactivity Disorder (ADHD), aparecidos na versão IV revisitada do manual de psiquiatria americana (DSM), tinha por objetivo, diagnosticar as crianças agitadas e em dificuldades de aprendizagem. Mas, esse diagnóstico se estende também, faz pouco tempo, aos adolescentes, estudantes e adultos até mais de 50 anos. As campanhas de publicidade dos laboratórios farmacêuticos destinadas às crianças dirigem-se, hoje em dia, aos adultos. Com isso, entre 2007 e 2012, os remédios prescritos aos adultos de 20 e 39 anos de idade quase triplicaram, como o indica a edição internacional do New York Times, no seu editorial de 18 de dezembro de 2013.1 «É uma invenção para justificar a distribuição de remédio a um nível sem nenhum precedente nem justificativa», denuncia o Dr. Conners, psicólogo e professor emérito da Universidade de Duke, no mesmo artigo.
Retorno à questão do marketing
A explosão de prescrições de psicoestimulantes para as crianças, como a Ritalina ou o Adderall, coincide com campanhas de publicidade organizadas há mais de 20 anos por médicos, pais e educadores. O sucesso é notável: o New York Times relata que, conforme os Centros de Controle das Doenças Americanas (Centres for Diseases Control), a TDAH tornou-se a segunda doença de longa duração nas crianças, logo depois da asma.
As campanhas publicitárias são agressivas e enganadoras e, a esse respeito, foram muitas vezes denunciadas desde os anos 2000, pela Food and Drug Administration como falaciosas, mas, sem sucesso. Assim, o laboratório irlandês Shire, especializado na TDAH, publicou recentemente 50.000 histórias em quadrinhos para crianças, a fim de comunicar sobre o distúrbio via um super herói: «O que há de novo com Astra? Medikidz explica a TDAH. A aventura de um super herói no interior do corpo humano». Já em 2002, uma publicidade com o Adderall mostrava na televisão, uma mãe brincando com o filho e dizendo pra ele: «Obrigada por ter botado o lixo para fora».2 As publicidades americanas, com efeito, se prevalecem de que não só os remédios desenvolvem a inteligência e facilitam um melhor aprendizado, mas também tornam as crianças mais obedientes. Não deixa de ser chamativo!
Mas, quais são os procedimentos de marketing usados pelos laboratórios para estender o diagnóstico de distúrbio infantil aos adultos?
Uma campanha cuidadosa
O site do laboratório Shire dá elementos de resposta: propõe explicações detalhadas sobre a patologia e sobre os riscos do uso errado dos remédios, mas, sobretudo, comunica amplamente sobre a forma adulta do TDAH, cujos contornos ainda são incertos. O laboratório se utiliza também de um vídeo com título surpreendente: «Verdadeiras pessoas, verdadeiras perspectivas, saber mais sobre o TDAH, a very real psychiatric disorder»3 (uma doença psiquiátrica bem real). Com isso, o médico Quinn explica, depois de uma breve introdução sobre os sintomas encontrados nas crianças, que «sabemos hoje em dia que esse distúrbio toca todas as idades da vida. (…). É um distúrbio muito frequente da ausência de competência (skills) a se organizar, a medir o tempo que passa e, portanto, gerenciá-lo para fazer as coisas do cotidiano que devem ser feitas». Após lembrar essas experiências junto «a crianças, adolescentes e jovens adultos» e o alívio obtido pelos pais graças a uma boa tomada de remédios, o Dr Quinn, responsável pelo Centro Nacional para as Filhas e as Mulheres com TDAH, indica que o diagnóstico se concentrava sobre a hiperatividade das pequenas crianças e que os clínicos também observam agora esse distúrbio em adultos. São, portanto, «os distúrbios da atenção, as dificuldades de concentração e as dificuldades de gestão do tempo» que prevalecem, «é o que contribuiu para difundir a ideia de que diagnosticamos um maior número de pessoas que contraíram essa doença», se defende a entrevistada. E essa precisão tem sub-título, como costuma se fazer, de que o Dr. Quinn «é remunerado como consultante por Shire».
Para a faixa de idade jovem adulto, o site do laboratório propõe uma abordagem inovadora. Uma página é dedicada a um programa de bolsas de estudos, TDAH Scholarship para alunos de liceu e estudantes, que, paradoxalmente, não põe em destaque os tratamentos com remédios propostos pelos laboratórios, mas, ao contrário, os acompanhamentos por coachs formados. No site, fotos de jovens adultos acompanham testemunhos de agradecimentos à Shire Scholarshi e ilustram a navegação. O programa custa 4.400$ e só está disponível no mercado norte-americano (Canadá e USA). Fora esse programa pago, qual pode ser o benefício de um laboratório farmacêutico em promover um método sem remédios?
Tudo leva a crer que os laboratórios têm algo a comunicar sobre esse distúrbio que se tornou fonte de polêmicas. Por um lado, a imagem do TDAH nas crianças, tem que ser restaurada depois de suas campanhas agressivas, pois a mídia revelou regularmente a prescrição e a superestimação dos benefícios com remédios, assim como abusos graves (abrangendo crianças que simplesmente não querem obedecer ou querendo melhorar os seus resultados escolares). Por outro lado, ninguém se engana também sobre o uso ampliado das prescrições, do lado dos adultos. O New York Times denunciava recentemente o fato de que a indicação de remédios face ao distúrbio tinha sido avaliada exageradamente em detrimento das abordagens psicológicas por especialistas designados pelo National Institute of Mental Health. De fato, há mais ou menos vinte anos, eles tinham sido encarregados de determinar no DSM IV, a melhor abordagem a longo prazo para a saída do distúrbio: remédios, psicoterapias, ou os dois? Eles tinham, então, recebido do Instituto, 11 milhões de dólares, numa época em que a transparência sobre os conflitos de interesse ainda não lhes tinha sido impostos.4.
A versão francesa do site Shire France é, quanto a ela, bem menos alusiva sobre a TDAH. Só uma página lhe é dedicada. Nada de comunicação sobre os adultos, a não ser essa menção: «Apesar de ser habitualmente considerado como um problema ligado à infância, ainda se observam esses sintomas nos adultos numa proporção de 2/3»4,, menção, portanto, muito mais moderada do que na versão US. Mas, com uma publicidade dos laboratórios com uma mulher falando para o esposo : «Obrigada, querido, por ter lavado a louça! »
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