Zazie no metrô Com a proposta de dar início oficialmente ao segundo semestre de trabalho da Delegação Geral Goiás/DF, realizou-se, no último dia 15 de agosto, com a presença do conselheiro da EBP Antonio Beneti, a exibição do filme Zazie no Metrô (Louis Malle, 1960), uma adaptação do romance homônimo do poeta e escritor francês Raymond Queneau. A escolha por assistir ao filme de Louis Malle pretendeu continuar a discussão que teve início quando do último evento da DG Goiás/DF, a conferência intitulada ‘A Teoria Generalizada do Semblante’, em que Marcela Antelo trabalhou o tema do cinismo feminino tal como Miller o elabora em seu seminário ‘De la Naturaleza de los Semblantes’. Nesse momento de seu ensino, Miller pergunta se se poderia encarnar em uma figura o que ele propõe como essa posição feminina que denuncia a impossibilidade do significante em agarrar o real. É para encarnar o cinismo feminino, o ódio das mulheres ao semblante, que Miller então convoca a heroína de Queneau e sua fórmula imortalizada: ‘mon cul’ (me importa o caralho!) que poderia, então, ser aplicada a tudo o que se trama na civilização. Zazie é uma menina de aproximadamente 12 anos que vem pela primeira vez a Paris e que sonha em andar de metrô. Mas, os metroviários estão em greve, o que a impossibilita de realizar seu sonho. Ela, então, sai pela capital francesa a pé arrumando confusão por onde passa. Com o filme como mote, iniciou-se uma animada conversação em torno do que o filme e sua protagonista poderiam revelar sobre o cinismo. Em primeiro lugar, destacou-se que o interesse pelo metrô, pelo subterrâneo, que marca a posição subjetiva de Zazie é uma posição de não querer ver a cidade e seus semblantes. Uma posição de desprezo pelos ideais da cultura, tão bem representada pelo “me importa o caralho!” pronunciado por ela sempre que confrontada pela insistência do tio em apresentar-lhe a cidade. Demonstra que o interesse exclusivo pelo metrô nada mais é do que uma postura determinada de preocupar-se com o real divorciado do semblante, como se buscasse um acesso direto (e subterrâneo) ao real. É a partir dessa posição que Zazie vai desprezando em seqüência tudo o que é da ordem do semblante que encontra pela frente: o táxi contratado pelo tio para apanhá-los na estação, o passeio pelos monumentos, a escola, a enorme pérola que joga fora sem pestanejar, o amor, nada escapa à derrogação da menina, fazendo, literalmente, o circo pegar fogo, pois sua postura mobiliza cada personagem do filme, de formas diferentes, chegando a um ponto em que a detonação dos semblantes se torna coletiva. Com a ausência de significantes fálicos, portanto, não há limites e os personagens destroem, então, literalmente, todo o cenário. Subverter os semblantes é mesmo a proposta de Queneau quando nos apresenta como anfitriões da pequena um casal sui-generis formado por um tio homossexual que, de noite, traveste-se de bailarina espanhola e uma tia que, ao final, revela-se um homem. Louis Malle também brinca livremente com os semblantes a ponto de fazer-nos ver uma loira fatal transformar-se num belo rapaz, ao entrar em uma cabine telefônica. Em certa altura do filme surge uma exortação: ‘Desvista-se!’ Em seus comentários, Beneti destacou exemplos em que o cinismo aparece na clínica psicanalítica. No caso do toxicômano, que com seu gozo auto-erótico, apresenta-se claramente disposto a detonar os semblantes ao assumir-se enquanto somente interessado no gozo masturbatório que a droga proporciona. O cinismo feminino também foi citado em relação ao termo “mulheres filhas da natureza”, usado por Freud no texto “Observações sobre o Amor Transferencial” para referir-se àquele tipo de mulheres que desprezavam o tratamento analítico em prol de um amor intenso pelo analista, não havendo, portanto, semblante que barrasse o gozo. Neste sentido, lembrando Miller em “De la Naturaleza de los Semblantes”, o cinismo feminino aparece também no ódio das mulheres ao semblante masculino, ao adotarem a postura de denúncia de tais semblantes. Ainda, a posição cínica também pode se manifestar na clínica por meio da transferência negativa, enquanto uma tentativa de detonação do semblante utilizado no ato analítico para tocar o real. E, para concluir, Beneti ressaltou que a clínica psicanalítica busca realizar uma espécie de sutura entre o real e o simbólico para que haja a construção do sinthoma. Ou seja, o caminho de uma análise é o de procurar costurar o semblante ao real, exatamente contrário ao caminho adotado por Zazie. Encerramos nossa atividade certos de que o encontro com Zazie foi provocativo não apenas para os personagens do filme, como também para quem esteve presente no momento da exibição. As participações e construções foram significativas e fizeram daquele um momento de conversação sobre a teoria psicanalítica, deixando espaço para que trabalhos dessa ordem se realizem em ou futuros momentos na Delegação Geral Goiás/DF. Raquel Ghetti Macedo e Ruskaya Maia
Zazie no metrô Com a proposta de dar início oficialmente ao segundo semestre de trabalho da Delegação Geral Goiás/DF, realizou-se, no último dia 15 de agosto, com a presença do conselheiro da EBP Antonio Beneti, a exibição do filme Zazie no Metrô (Louis Malle, 1960), uma adaptação do romance homônimo do poeta e escritor francês Raymond Queneau. A escolha por assistir ao filme de Louis Malle pretendeu continuar a discussão que teve início quando do último evento da DG Goiás/DF, a conferência intitulada ‘A Teoria Generalizada do Semblante’, em que Marcela Antelo trabalhou o tema do cinismo feminino tal como Miller o elabora em seu seminário ‘De la Naturaleza de los Semblantes’. Nesse momento de seu ensino, Miller pergunta se se poderia encarnar em uma figura o que ele propõe como essa posição feminina que denuncia a impossibilidade do significante em agarrar o real. É para encarnar o cinismo feminino, o ódio das mulheres ao semblante, que Miller então convoca a heroína de Queneau e sua fórmula imortalizada: ‘mon cul’ (me importa o caralho!) que poderia, então, ser aplicada a tudo o que se trama na civilização. Zazie é uma menina de aproximadamente 12 anos que vem pela primeira vez a Paris e que sonha em andar de metrô. Mas, os metroviários estão em greve, o que a impossibilita de realizar seu sonho. Ela, então, sai pela capital francesa a pé arrumando confusão por onde passa. Com o filme como mote, iniciou-se uma animada conversação em torno do que o filme e sua protagonista poderiam revelar sobre o cinismo. Em primeiro lugar, destacou-se que o interesse pelo metrô, pelo subterrâneo, que marca a posição subjetiva de Zazie é uma posição de não querer ver a cidade e seus semblantes. Uma posição de desprezo pelos ideais da cultura, tão bem representada pelo “me importa o caralho!” pronunciado por ela sempre que confrontada pela insistência do tio em apresentar-lhe a cidade. Demonstra que o interesse exclusivo pelo metrô nada mais é do que uma postura determinada de preocupar-se com o real divorciado do semblante, como se buscasse um acesso direto (e subterrâneo) ao real. É a partir dessa posição que Zazie vai desprezando em seqüência tudo o que é da ordem do semblante que encontra pela frente: o táxi contratado pelo tio para apanhá-los na estação, o passeio pelos monumentos, a escola, a enorme pérola que joga fora sem pestanejar, o amor, nada escapa à derrogação da menina, fazendo, literalmente, o circo pegar fogo, pois sua postura mobiliza cada personagem do filme, de formas diferentes, chegando a um ponto em que a detonação dos semblantes se torna coletiva. Com a ausência de significantes fálicos, portanto, não há limites e os personagens destroem, então, literalmente, todo o cenário. Subverter os semblantes é mesmo a proposta de Queneau quando nos apresenta como anfitriões da pequena um casal sui-generis formado por um tio homossexual que, de noite, traveste-se de bailarina espanhola e uma tia que, ao final, revela-se um homem. Louis Malle também brinca livremente com os semblantes a ponto de fazer-nos ver uma loira fatal transformar-se num belo rapaz, ao entrar em uma cabine telefônica. Em certa altura do filme surge uma exortação: ‘Desvista-se!’ Em seus comentários, Beneti destacou exemplos em que o cinismo aparece na clínica psicanalítica. No caso do toxicômano, que com seu gozo auto-erótico, apresenta-se claramente disposto a detonar os semblantes ao assumir-se enquanto somente interessado no gozo masturbatório que a droga proporciona. O cinismo feminino também foi citado em relação ao termo “mulheres filhas da natureza”, usado por Freud no texto “Observações sobre o Amor Transferencial” para referir-se àquele tipo de mulheres que desprezavam o tratamento analítico em prol de um amor intenso pelo analista, não havendo, portanto, semblante que barrasse o gozo. Neste sentido, lembrando Miller em “De la Naturaleza de los Semblantes”, o cinismo feminino aparece também no ódio das mulheres ao semblante masculino, ao adotarem a postura de denúncia de tais semblantes. Ainda, a posição cínica também pode se manifestar na clínica por meio da transferência negativa, enquanto uma tentativa de detonação do semblante utilizado no ato analítico para tocar o real. E, para concluir, Beneti ressaltou que a clínica psicanalítica busca realizar uma espécie de sutura entre o real e o simbólico para que haja a construção do sinthoma. Ou seja, o caminho de uma análise é o de procurar costurar o semblante ao real, exatamente contrário ao caminho adotado por Zazie. Encerramos nossa atividade certos de que o encontro com Zazie foi provocativo não apenas para os personagens do filme, como também para quem esteve presente no momento da exibição. As participações e construções foram significativas e fizeram daquele um momento de conversação sobre a teoria psicanalítica, deixando espaço para que trabalhos dessa ordem se realizem em ou futuros momentos na Delegação Geral Goiás/DF. Raquel Ghetti Macedo e Ruskaya Maia