Boletim Brasil n°1 – 30 de março de 2009 |
Equipe Boletim ENAPaOL Brasil:Luiz Fernando Carrijo da Cunha (Coordenador), Marilsa Basso, Milena V. Crastelo, Paola Salinas, Teresinha N. M. Prado. |
Apresentação Ram MandilCaros colegas, Após a difusão em nossa lista do texto « Sobre o desejo de inserção e outros temas », de Jacques-Alain Miller, inicia-se o debate rumo ao ENAPaOL. A partir dos efeitos da recente interpretação de Miller sobre as relações entre psicanálise pura e psicanálise aplicada, Judith Miller considera suas conseqüências e nos propõe duas orientações para o nosso Encontro: a retomada dos trabalhos individuais – « um retorno de cada um à sua relação com o inconsciente e à causa analítica » – e uma consideração pela « pragmática » na psicanálise. A intervenção de Judith Miller produziu efeitos imediatos. Leiam o que os nossos colegas da EOL, Cecilia Gasbarro e Eduardo Benito, nos propõem como seguimento do debate.
Judith Miller abre o debate do ENAPaOL Cecilia Gasbarro e Eduardo Benito Pouco antes de anunciar a intenção de promover um debate sobre o ENAPaOL, recebemos uma primeira contribuição de Judith Miller que corresponde à sua intervenção na Abertura do Colóquio ”Psicanálise e sociedade”, realizado em Paris, em 31 de janeiro de 2009, como parte da preparação para o PIPOL IV.A mesma refere-se a seu ponto de vista sobre as conseqüências da interpretação de Jacques-Alain Miller nas Jornadas da Escola da Causa Freudiana, em outubro de 2008. É assim que nos apresenta, formalizadas em cinco pontos, as respostas que obteve na Assembléia Geral da AMP.Com base nisso, Judith Miller conclui em dois eixos. Um admitido, a respeito dos textos apresentados, que serão produto de trabalho pessoal e não co-assinados por um grupo. O outro, uma proposta audaz, dirigida à elucidação do significante “pragmática” em psicanálise.
As respostas obtidas na Assembléia Geral que antecedem à proposta, entendemos, explicam seus motivos.É que, por um lado, por definição não deveria haver conflito entre psicanálise aplicada e pura, pois se trata de duas formas de psicanálise. Conseqüentemente, não se deve pensar que “agora só vale a psicanálise pura”.Contudo: como ponderar que, na tentativa de expansão da psicanálise aplicada, poder-se-ia colocar em risco a própria psicanálise? É por isso que, na conjuntura de “agressão estrutural ao discurso do mestre », a interpretação de J.-A. Miller leva a reconsiderar o fracasso de um êxito. Êxito para o mestre, fracasso para a psicanálise.Fenômenos como identificações coletivas, marco de vaidades e, ainda, a cegueira perante o perigo de ser engolido pela demanda do Outro social, não são mais que algumas de suas manifestações.Como disse J.-A. Miller, seguindo Nietzsche, existe o risco de nos “tornarmos aquilo que combatemos”. [1] Da mesma forma, Judith Miller aposta enfaticamente que o Programa Internacional de Investigação em Psicanálise Aplicada possa velar pela orientação lacaniana, pois é evidente, pelo ocorrido, que parece não haver garantias em relação a novos “êxitos” no futuro.Entende-se, então, que a proposta de Judith Miller seria exatamente revisar e tentar elucidar a chamada pragmática em psicanálise.Proposta, entendemos, de grande importância – às vésperas do ENAPaOL – para aqueles que hoje sustentam a psicanálise aplicada deste lado do oceano.Sendo assim, decidimos que constitua o centro do debate rumo ao próximo Encontro Americano.Um debate que urge, cremos, pois é evidente que o perigo de ser engolidos pela demanda do Outro social não cede, mas aumenta.Eric Laurent nos diz: “Este mestre contemporâneo, por intermédio das burocracias sanitárias, propõe sonhos inéditos às populações as quais quer afetar em seu cerne. Profilaxias da depressão na França e na Europa, construção de um sistema de distribuição de psicoterapias prescritivas para fazer os deprimidos voltar ao trabalho…”.[2](trad. livre)Supomos que um analista nunca se prestaria a isso.Contudo, nos perguntamos: por acaso não existe o risco de alguém responder por tais sonhos inéditos se consegue como efeito terapêutico rápido reinserir, em poucos encontros, um sujeito (invalidado por seu sintoma, segundo as psicoterapias prescritivas) no Outro social laboral sem que se analise previamente a qual classe de Outro se dirige?Por se tratar do mestre contemporâneo, tal prática, por mais exitosa que seja, faria do analista uma espécie de agente direto do mestre.Dito de outro modo: de que lado deveria estar uma pragmática em psicanálise? Do lado do laço social do mestre contemporâneo, ou do lado do sintoma “invalidante”? É evidente que, em um passado recente, a psicanálise em extensão parecia garantida, e pelas melhores razões, pois era suposto sustentar-se no discurso que lhe é próprio.E isto, como disse J.-A. Miller, porque “Os efeitos psicanalíticos não dependem do enquadre, mas do discurso, ou seja, da instalação de coordenadas simbólicas do lado de alguém que é analista e cuja qualidade de analista não depende do tempo de sua consulta, nem da natureza da clientela, mas bem da experiência na qual se comprometeu”.[3] (trad. livre)Contudo, hoje, o mesmo J.-A. Miller diz, para quem queira ouvi-lo, que existe o risco de “…triturar a psicanálise sob o pretexto de expandi-la”.[4]Tentaremos então, com a proposta de Judith Miller dirigida ao PIPOL IV, abrir um debate para aqueles que participem do ENAPaOL, a respeito da reconsideração de uma pragmática em psicanálise, que possa dar provas de ter resistido tanto ao discurso do mestre como ao risco sempre latente de contribuir com seu reforço.Fica aberto o debate e convidamos àqueles que o desejam, a enviar-nos sua opinião.Notas[1] Miller, J.-A. “Entrevista do momento atual 14”. In: Correio. Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, nº 61, nov. de 2008.[2] Laurent, E. Informe moral apresentado à Assembléia Geral da AMP, em 24 de janeiro de 2009.
[3] Miller, J.-A. “Hacia PIPOL 4” Intervenção de J.-A. Miller nas Jornadas PIPOL 3, celebradas em Paris em 31 de junho e 1 de julho de 2007. In: El Caldero de la Escuela nº7, 2008, p.6.
[4] Miller, J.-A. “Entrevista do momento atual 11”. In: Correio. Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, nº 61, nov. de 2008. Texto traduzido por Paola Salinas.
Intervenção no Colóquio “Psicanálise e Sociedade” Judith Miller Apresento-lhes o mais sucintamente possível este colóquio e seus quatro tempos. Busquei tornar explícito de que modo ele prepara o Encontro europeu na atualidade do Campo Freudiano, a partir das conseqüências da interpretação realizada por Jacques-Alain Miller nas Jornadas da Ecole de la Cause freudienne, em outubro passado – referida a um “excesso de libido” investido na psicanálise aplicada. Esta interpretação e suas conseqüências concernem ao conjunto das escolas do Campo Freudiano que a AMP reúne, assim como à própria AMP. Ela concerne igualmente ao Encontro europeu e ao conjunto do Campo Freudiano, incluindo o RIPA.Vou tentar dizer quais são, ao meu ver, estas conseqüências. Digo “tentar”, mas seria melhor dizer “arriscar”. O que vou dizer hoje empenha apenas a mim. De fato, a comissão do PIPOL IV, como tal, ainda não as examinou.Como esta me concernia profundamente, formulei meu embaraço na AG da AMP, no sábado passado, minha última bússola possível antes deste colóquio. Raramente me senti tão “no ponto” para falar.Com efeito, minha posição é a do patinho feio entre os analistas por ela reunidos. Alguns não perdem a ocasião de me lembrar isso – e eu sou a primeira. Como não-praticante, punha meu dedo na ferida, como podem aqueles que Lacan acolheu em sua Escola e com os quais suponho hoje partilhar a condição de “parrésia”, tal como Michel Foucault a destacou no início dos anos oitenta. Nem delírio de presunção de ex-combatente, nem lei do coração me animam, mas sim um desejo de “trabalhador decidido”.Nesta condição recebi as respostas a mim dadas sábado passado as quais tentarei recapitular em cinco pontos.1. A interpretação de Jacques-Alain Miller não incide sobre aquilo que alguns entenderam como “um conflito entre psicanálise pura e aplicada”. Jacques-Alain Miller, tal como a maioria de nós, nunca deixou de se referir – e não deixou de demonstrar isso – ao “Ato de fundação”, por Lacan, em 1964, e a seus textos sobre o passe. As Escolas da AMP continuam a se reconhecer a partir dele.2. A conjuntura permanece a da agressão, estrutural, eu diria, do discurso do mestre com relação ao discurso do analista. A interpretação de Jacques-Alain Miller incide sobre o ratear [ratage] de um sucesso (especialmente o do CPCT-Chabrol, cuja experiência, de realidade efetiva (por longo tempo diferida), exige que se reequilibre a articulação entre a psicanálise pura e a aplicada – nas Escolas, em primeiro lugar. Ela convida ao retorno a Lacan, não somente ao passe, mas à análise para cada um em sua relação com o inconsciente (o seu próprio) e à causa analítica. 3. Todos os “lugares alfa” (e nem todos são CPCTs) estão ameaçados pelo efeito de identificação coletiva, massificadora, percebido como tal por Freud. Esse efeito de grupo, longe de conduzir a analisar a experiência do CPCT (que se multiplicou e é paradigmático dos lugares alfa), dele fez a glória. Isto sem que se percebesse que ao responder à demanda do Outro corria-se o risco de ver o discurso do analista deteriorado.4. Esse efeito de grupo é, por definição, cego ao fato de que se oferece e abandona o discurso analítico aos apetites do discurso do mestre, abrindo a porta para que ele seja tragado pelas demandas do Outro social. Donde a justeza do título deste colóquio: “Psicanálise e Sociedade”, que eu, em uma primeira abordagem, tinha achado banal.5. Esta justeza foi confirmada pela resposta de Eric Laurent, em forma de “tirada”, à minha pergunta sobre o quanto há de psicanálise aplicada à terapêutica na prática privada de um analista: “o consultório do analista é um lugar público”. Um analista, como todos nós, está a minima inserido no discurso do mestre e a ele está submetido (impostos, seguros etc.).Reduzo, para PIPOL IV, hoje, a duas as orientações que deduzo destes itens. Uma já está admitida, e será colocada em prática. Decidiu-se – desde dezembro, para a parte americana do Encontro Internacional do Campo Freudiano, e desde domingo passado para sua parte européia – que as comunicações apresentadas serão o produto de trabalhos pessoais e não co-assinados por um grupo, ainda que seja ele um lugar alfa; para enfatizar o que há de analítico no efeito produzido por um praticante que diz orientar-se pela psicanálise.Proponho a outra: elucidar este novo significante, a “pragmática”, na psicanálise. Ele me parece declinar as maneiras pelas quais pode ser apreendida, em sua contingência, uma oportunidade de resistir ao discurso do mestre a partir do discurso do analista; de afirmar sua singularidade e resistir às agressões e devastações que elas induzem, obstruindo o espaço em que um sujeito pode advir.Difícil, decerto, esta elucidação – que deve ser entendida como uma formalização e não como uma definição – não é impossível.Restam-me 250 caracteres, seguindo-se o esquema proposto por Jacques-Alain Miller para este colóquio, ao qual se ateve a Comissão. Tomo o mínimo espaço para dizer a vocês a composição desta Comissão – Hugo Freda, Fabien Grasser, Philippe La sagna, Jean Daniel Matet, Nadine Page e eu própria – e, para passar a palavra a Bernard Seynhaeve, Analista da Escola (no sentido objetivo e subjetivo deste genitivo) e diretor do Courtil. Nisto está “o que poderia aparentemente ser uma dificuldade” em seu título. Ele encarna a relação, na lógica das proposições, da disjunção conjuntiva. Agradeço-o por estar aqui in presencia. Sua presença engajada diz respeito, para mim, à ética que, como “prática de uma teoria”, enlaça as duas vertentes da psicanálise, em intensão e em extensão. Nisso bate o coração da aposta engajada pelo Programa Internacional de Pesquisa em Psicanálise Aplicada, na medida em que ele se sustenta – e ouso dizer que ela pode velar ativamente por ele – na Orientação Lacaniana.Texto traduzido por Vera Avellar Ribeiro.