Vários jornais e mídias fizeram parte dos testemunhos dos educadores que cuidaram dos irmãos Kouachi ou de Amedy Coubaly. O chefe do serviço da casa de correção em Corrèze onde viveram, entre doze e dezesseis anos, os dois irmãos, após a morte de seus pais, declara ter a lembrança de « jovens felizes que não se opunham, não eram rebeldes ». O mais velho, mais trabalhador, ganhou um CAP (diploma) de cozinheiro, o outro, sonhando tornar-se jogador de futebol, foi qualificado como educador esportivo em Rènnes, ele confirma. Ele concluiu a propósito de seu balanço do horror do massacre : « Não há nenhuma explicação ». Entretanto, só se pode estar impressionado com a literalidade dos comentários recolhidos durante os interrogatórios policiais, em 2004, as modalidades da relação com o outro, a certeza colocada no lugar da verdade e a instrumentalização possível desses sujeitos : « Farid B. me disse que os textos davam provas dos aspectos positivos dos atentados suicidas. Está escrito nos textos que é bom morrer como um mártir », declarou Chérif Kouachi antes de servir um ano na prisão. Conhece-se a continuação dez anos mais tarde.
O educador de prevenção que havia encontrado Amedy Coulibaly quando ele tinha 12 anos e o acompanhou até a idade de 16 anos, após um alerta, lembra-se que ele participava dos reagrupamentos e faltava aos cursos. Ele evoca na imprensa que o jovem « oscilava entre os ataques de raiva macabra e momentos de calma… Sua radicalização, não posso datá-la. Lembro-me muito bem que, pelo contrário, mesmo pequeno ele recusava saídas ou interrompia conversas porque queria ir rezar. Das discussões com ele, guardei um grande sofrimento identitário. Ele era o único homem em casa, não tinha modelo. Ele queria ser um educador como eu, ele finalmente caiu no horror ». Ele o reviu em março de 2014 pela última vez : « Ele passou para me ver no local da minha associação. Pensei numa visita de cortesia. Falou-se de tudo e de nada. Parecia feliz por me ver. Desde então, não paro de pensar nisso. Quando um jovem de seu perfil desaparece de suas telas de radar durante mais de cinco anos e retorna voluntariamente, é que ele procura uma escuta, alguém disponível. Odeio-me terrivelmente por não ter detectado isso. Isso também levanta a questão das verdadeiras estruturas de escuta e de monitoramento dos jovens nos bairros »(3). Se constatamos o sentimento de culpabilidade do educador, notaremos também que nada nas declarações e comportamentos do jovem podiam deixar prenunciar o momento de radicalização.
Os assistentes sociais, os profissionais do campo social, judiciário e da saúde, mais do que todos os outros, sem dúvida, interrogaram-se nestes últimos meses sobre a eficácia de suas ações.
O que é preciso saber para cuidar, encontrar e educar os jovens ? Como discernir o que se passa com o jovem, e que, forçosamente, é o que ele esconde e o que cala ? Há pisca-pisca, sinais ? Quais são os alertas ? Será que é tudo « sem explicação » como faz crer um dos educadores ou ele tem alguma coisa a revelar, como o segundo, que se arrepende de não ter chegado ? Se a problemática dos jovens mudou, é também porque a formação dos educadores se transformou.
Quais são os saberes, as abordagens, os protocolos, os procedimentos, as regras educativas ensinadas hoje ? Cada vez mais frequentemente, a formação dos interventores sociais se inscreve nos movimentos dos avanços do DSM que lhes oferece como diagnóstico, o TOP – Transtorno de oposição por provocação -, o transtorno da conduta de comportamento dito TCC – não confundir com a terapia cognitivo-comportamental que supostamente o combate, supostamente a única eficaz e frequentemente prescrita como tal -, ou ainda a hiperatividade, o transtorno de humor, etc. As malhas da rede do diagnóstico se revelam aqui sem possibilidade de apoderar-se do que quer que seja em relação à « dificuldade nas competências sociais dos seus jovens ». Porque estes adultos perturbadores nem sempre são crianças perturbadas. Se as consideramos unicamente com relação ao seu comportamento, nós as observamos, pesquisamos, colocamos em evidência, enquadramos, testamos, mas não lhes damos a chance da palavra, aquela que na vida leva à uma consequência ; tampouco se empresta a eles uma escuta que lhes restitua uma subjetividade ; não se permite a eles encontrar um lugar, um endereço onde dizer e inventar uma solução para a questão da sua existência.
Associado às observações, o corolário de « conduta a manter » (CAT) que acompanha a abordagem comportamental (procedimento da gestão de conflito ou daquela da resolução de problema) também parece ineficaz nesse contexto, uma vez que ela é para resolver as dificuldades na empresa. Da mesma forma, os conselhos, declarados nos protocolos responsáveis pelas crianças que têm transtornos de conduta, de acordo com a postura do adulto em oito itens ( encorajamento, solicitação, bondade, firmeza, exigência, segurança, rigidez, atenção marcada) que parecem decididamente insuficientes para responder à violência e se orientar no acompanhamento dos jovens. Essas abordagens condenam aqueles que são responsáveis pela educação ou pelo acompanhamento dos sujeitos «à errância e à irresponsabilidade» (4) .
Ter-se-á compreendido que o desafio de dar formação eficaz e eficiente aos educadores, psicólogos, psiquiatras, todos estes que intervêm no campo social, educativo e judiciário é grande, os que «na base do trabalho duro, carregam toda a miséria do mundo»(5) .
Levando os sofrimentos contemporâneos a sério e à consequências, o Instituto Regional do Trabalho Social (IRTS) da Provence-Alpes-Côte d’Ázur-Corse solicitou psicanalistas para um colóquio sobre psicose. Seu sucesso deu lugar à edição de intervenções dos psicanalistas enriquecidas com outros textos que vêm como complemento ou como contraponto da experiência. Alguns psicanalistas se apoiaram em sua prática no Centro Psicanalítico de Consultas e Treinamento (CPCT), na instituição, no hospital dia, no seu consultório, para dar conta da pertinência e do uso que eles fazem do saber analítico e do ensinamento de Lacan, convidando os leitores a encontrar nele um apoio para sua própria prática. O resultado surpreendente libera uma verdade sobre a subjetividade contemporânea, uma orientação , uma técnica, uma ética.
Este livro esclarece ao leitor sobre isso que, do discurso do mestre hoje, o condiciona, como condiciona a subjetividade contemporânea. Para Hervé Castanet, que reuniu estes textos, escolher um título indica o método : aqui a casuística e a ideia preconcebida de extrair consequências de duas teses do ensino de Lacan sobre o pai. Aquela do Nome-do-Pai e aquela do pai pluralizado. A casuística acentua o caso da consciência no olhar do universal da lei e marca o lugar no singular. Nesta obra, então, não são as leis gerais com referência ao pai que são examinadas, mas as invenções singulares dos que dispensam o pai e que fazem invenção de um uso pluralizado do pai. Alguns sujeitos comuns, crianças ou adultos de todas as idades, que a psiquiatria não marca, ou marca mal, mas que Jacques-Alain Miller nos ensinou a marcar como sofrimento de « psicose ordinária », a fim de extrair as consequências na orientação do tratamento(6) .
A escolha é clara, ao invés do método estatístico, o caso singular, o apoio às leis gerais, aqui a função do pai e o caso particular estão em primeiro lugar. Está demonstrado aqui como além das causalidades sociológicas, psicológicas, há uma causalidade psíquica que se ordena, como à « precariedade social se articula uma precariedade psíquica »(7) iluminada pelo caso.
Estes textos testemunham que o discurso que determina as subjetividades da época é aquele onde o Outro não existe. São evocadas suas consequências na relação com os outros, com o corpo, com o pensamento e o gozo. Uns vinte autores participaram na redação da obra, cada um para demonstrar sobre quais saberes se apoia e verificar a eficácia do tratamento pela palavra. Como eles o fazem? Cada psicanalista engaja o outro e se engaja no encontro único com o sujeito que sofre em seu corpo ou seu pensamento ? Esta obra mostra como achar na palavra, além do conformismo, da banalidade dos comportamentos (cólera, depressão, isolamento, agitação, etc…) o vazio da significação, a precariedade das identificações imaginárias, a estranha sensação dos corpos, o enigma de certos acontecimentos da vida, mas também o uso único e literal de certos significantes. Como fazer com tal « sujeito que sabe tudo » para que alguma coisa possa se tornar opaca ? A cada vez, trata-se de seguir a singularidade de cada um mais perto da maneira de dizer.
Este livro está cheio de exemplos onde os praticantes indicam como fazem para se abrirem à ética da psicanálise, como o tratamento é um abrigo para o sujeito que pode encontrar nele um lugar para lutar eficazmente contra uma passagem ao ato, como os sujeitos utilizam o dispositivo ora para conter, ora para inventar, sempre para nele costurar uma invenção à questão de sua existência. A transferência, recurso do encontro, está aí revelada, ao mesmo tempo singular e tendo suas leis, não é um negócio de sentimentos bons ou maus, mas coloca a questão do saber. Cada texto mostra como sua orientação, especificamente na psicose, é essencial a um acompanhamento que não é questão de escuta, tão benevolente quanto possa ser, mas supõe o poder discricionário daquele que escuta.
Esta obra ilustra de maneira viva e concreta como se cria este lugar com o sujeito suposto saber -, próprio da psicanálise e a retirada deste saber suposto necessário ao analista nos casos de psicose que são apresentados nestes textos. Este livro é oportuno para orientar e captar o poder da palavra, seu uso, seus limites. Ele é um defensor da operatividade da psicanálise como prática e do discurso analítico como novo laço social. Estes textos se leem como tantas novidades, contadas numa linguagem concreta, aquela de cada um dos sujeitos em questão. Os autores explicam o que opera com o rigor dos conceitos lacanianos que, no encontro com a instituição e com a observação do comportamento, retira a lógica da estrutura, ou seja, os efeitos da palavra sobre os corpos.
* À propos de Casuistique des psychoses. Du Nom-du-Père au père pluralisé, textes choisis par Hervé Castanet et l’IRTS PACA-Corse, Éd. Lussaud, 2014.
Notas:
1 Cf. Reportage tourné en 2004 par une association du XIX e arrondissement et diffusé dans Pièces à conviction en 2005 sur France 3, cité dans la presse, notamment Libération, en janvier 2014.
2 Le Parisien , propos recueillis par Florence Méréo à Grigny (Essonne), 13 janvier 2015.
3 20 mn , vidéo éducateur d’Amédy Coulibaly, 15 Janvier 2015.
4 Casuistique des psychoses. Du Nom-du-Père au père pluralisé , textes choisis par Hervé Castanet et l’Institut régional du travail social, Provence-Alpes-Côte d’Azur-Corse, Lussaud, 2014, p. 15.
5 Lacan J., « Télévision », Autres écrits, Seuil, 2001, p. 517.
6 Miller J.-A., La psychose ordinaire. La convention d ’ Antibes, Agalma, 1999, p. 231.
7 Casuistique des psychoses, Du Nom-du-Père au père pluralisé, op. cit . p. 102