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– As J44 e a AMP –
Carta a uma amiga brasileira por ocasião das 44as Jornadas da ECF, por Marcus André Vieira
«Querida,
Você me fez perguntas sobre as 44ªs Jornadas da ECF, indagando sobre o que Jacques-Alain Miller disse e se outras coisas houveram que merecessem ser comentadas. Tenho que me desculpar pela minha resposta um pouco longa. Eu não quero contar exatamente o que aconteceu, mas o que eu gostaria é que você a tomasse como exemplo, especialmente em relação à Escola Brasileira de Psicanálise, assim como ao próximo 10º Congresso da Associação Mundial de Psicánalise.
Inicialmente, vou elencar aquilo que pareceu a todos como novidades: a preparação das Jornadas centrada na divulgação pela Internet; o apoio nas redes sociais e no blog como pilares do trabalho e não como um mundo à parte, em segundo plano; as sequências de mesas simultâneas abertas para uma apresentação temática de um personagem ou de um estudo de caso que norteou o trabalho; plenárias com sequências sobre a ciência, o cinema e o teatro, cada uma tratando com vivacidade e precisão o tema; e, finalmente, o passe. Os AEs, mulheres, colocaram menos ênfase na transmissão da conclusão de suas análises que no modo como elas foram profundamente afetadas em sua maneira de ser mãe. Desse modo, o passe foi colocado a serviço da pesquisa coletiva sobre o tema.
Tudo isso na presença de 3100 pessoas (quase mil a mais do que no ano passado), o que deu o sentimento de participar de um verdadeiro evento que, por definição, inaugura uma nova série.
Para uma grande parte, essas novidades já haviam sido implementadas em Jornadas anteriores, mas era como se Christiane Alberti e sua equipe houvesse retido o melhor e inventado o que faltava.
Assim, cada um dos três coordenadores da equipe organizadora tomou, na seção plenária, o lugar do mestre de cerimônia para apresentar a sequência dos trabalhos, mesmo dizendo algumas palavras sobre as nossas particularidades aos recém-chegados, notadamente sobre o que é o passe. E, de resto, tudo convergiu para uma nova forma de cenografia. Com efeito, se o desenrolar da leitura do texto, aquele dos AE por exemplo, parece naturalmente se opor ao impacto da imagem, em seus tempos tão distintos, isso era ali como se um pudesse servir ao outro. Isso evoca o que acontece em uma análise quando um significante extraído do texto da existência a ilumina diferentemente. Mas seria mais preciso falar de uma coreografia, pois é o ritmo das entradas em cena dos temas tratados e das pontuações realizadas ao longo do dia, ou seja, o tanto de elementos textuais, que foi decisivo.
Nesse sentido, um momento foi muito expressivo: aquele em que Miquel Bassols apresentou a imagem de um cartaz que teve um lugar importante no relato de Michele Elbaz. É então possível introduzir imagem no texto, com efeitos de afeto, sem por isso perder a orientação para o real que o rege.
Só posso falar na qualidade de estrangeiro, mas talvez por causa disso, eu possa me permitir destacar do que vi e ouvi, três pontos a mais para realçá-los: o tom, a Internet e o passe.
O ambiente descontraído estava relacionado com o tom das exposições. Que estejamos em uma luta constante pela sobrevivência da psicanálise nestes tempos difíceis no que concerne ao seu futuro, isso não significa que precisemos endurecer progressivamente nosso discurso. De fato, «a interpretação não interrompe o discurso senão para dar à luz a palavra» (cito de memória o Lacan de «Função e campo…»). Podemos intervir em questões complexas e difíceis com este estado de espírito. Isso é o que deu o tom, reforçando o sentimento de que os membros da ECF conseguem cada vez mais sustentá-lo naquilo que eles transmitem.
E, quem são os milhares de recém-chegados? Suponho que são essencialmente pessoas ligadas à clínica, em instituições para crianças, no campo da saúde mental e também aquelas do Direito. Esses milhares são provenientes não somente da região parisiense, mas de toda a França, tocados pela orientação lacaniana, talvez pela primeira vez, e talvez graças à ampla divulgação na Internet durante a preparação das Jornadas.
Este é o segundo ponto, a Internet. Não se sabe o que isso quer dizer exatamente, mas deve-se agora considerar que isso alcança um real. Ela atravesssa as instituições em um plano horizontal, permite a alguns, que até então se calavam, falar e trazer outros que antes observavam de longe. A participação dos « provincianos » foi mais importante? Talvez devido a esse efeito de divulgação transversal? E esse novo modo de presença da Escola, terá também um efeito na relação entre as Escolas da AMP? Veremos, mas o destaque dado nas Jornadas ao Congresso da AMP pareceu-me um excelente presságio.
Com o Congresso, vou ao terceiro ponto. O passe se situa nesse horizonte limítrofe, onde « se lê » a partir do seu sinthoma. Não seria possível retomar as nossas categorias clínicas sob esse ponto de vista? Parece-me que esta é a direção dada por J.-A. Miller ao nosso Congresso e que eu o apresentei em plenária (ironia: apresentei como diretor do
Congressso quando, precisamente, o que eu poderia dizer e pensar só seria possível na minha condição de AE).
Esse ponto de vista pode parecer extremo, mas não fora do mundo. Pelo contrário, ele nos permite constatar que somos obrigados, neste mundo, a assumir papéis cada vez mais rígidos. É o que demonstraram os testemunhos das AE, justamente no que tange o « ser mãe ».
Enfim, uma questão chave para nós: e a EBP em tudo isso? Falamos sobre as redes sociais como algo externo a nossa vida, mas há pessoas, e cada vez mais no Brasil, inclusive entre os nossos colegas que vivem nela. Essas redes tendem a tomar parte de modo orgânico na vida de uma
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– Mães – Segredos e tormentos
A propósito de Mães amarguradas1
de Philippe De Georges, por François Leguil
Conta-se que Alma Mahler se surpreendia que seu marido pudesse compor seu
Kindertotenlieder[i] enquanto, ao seu lado, seus filhos brincavam no jardim. Homens e mulheres se fundem e se confundem em sua dor quando o filho desaparece. A provação, solidárias, daquelas e daqueles que experimentaram a angústia de velar um pequeno corpo doente ou acompanhou o horror inominável das agonias precoces.
Stabant matres patresque dolorosi…[estando mães e pais amargurados]
Em 1923, Freud atravessa esta prova extrema ao ver morrer seu neto Heinerle:
três anos depois, quando ele apresentou suas condolências a Binswanger por ocasião da morte do seu filho mais velho, ele lhe declara que […] desde essa morte, ele não era mais capaz de ter prazer na vida2.
Os níveis da dor transbordam aqueles do pavor que não têm papel nem função nem sexo, na conjuntura desses passes medonhos. O artista do século XX o viu, o qual contudo retomou, em
Guernica[ii], a máscara dilacerada das mães gritando o inominável nos murais de Bolonha que Guido Reni pintou para seu
Massacre dos inocentes[iii]. Cem anos antes, ou quase, um pai ainda colocava em verso a Villequier [ver Nota 3] o incomensurável dano:
Verei este instante até que eu morra,
O instante, lágrimas supérfluas!
Onde gritarei: O filho que eu tinha agora,
Como então! Não o tenho mais!3
Já era assaz dizer o sublime de uma blasfêmia inaudita e plena de um escândalo que não cessará mais. Cuidemos do momento: no quarto capítulo de seu livro, Philippe de Georges mostra o que ele considera na história da Pietá pois, tão logo dispersadas as ilusões da redenção, revoadas ao vento moderno, o mistério infadigável da encarnação retorna à terra e assinala sua entrada na clínica pela queixa paradoxal e profunda das mães amarguradas.
O mundo é sombrio, oh Deus! A imutável harmonia
Se compõe de prantos assim como de cantos.
Sei que você tem mais o que fazer
Que lamentar por nós,
E que uma criança morra, desespero de sua mãe,
Não faz nada a você!4
A harmonia do mundo, precisamente. Do mundo, absurdamente criado. A impostura denunciada explica a insurreição contra a iniqüidade dos infortúnios que ameaçam o filho do homem, muito frágil para que seja doravante tolerada a idéia de julgá-lo responsável pelas faltas cometidas. É a famosa e pungente revolta de Ivan Karamazov ante o terno Aliocha: Diga-me: se os homens devem sofrer para preparar, pelo seu sofrimento, a harmonia universal, por que é preciso também sofrerem as crianças? […] O preço exigido para a harmonia é alto demais e não está ao alcance da nossa bolsa5.
1923, morte de Heinerle e Freud amargurado para sempre. É o ano da publicação de O Ego e o Id. Mas também o de
Knock ou o Triomphe de la médecine. Há uma relação entre a baixa taxa de mortalidade infantil obtida pela adequação da ciência e o evidente desapreço das almas piedosas pela
via matris dolorosa[iv]. A coisa se acelera nos anos 1950, quando retoma o debate aberto entre Ivan e Aliocha. Em Oran devastada pela peste, o Dr. Rieux censura o Padre Paneloux com o seu sermão sobre a justiça divina
[v].
Lembremo-nos que isso rendeu uma severa polêmica entre Camus, Les Temps modernes, Roland Barthes e o que restou dos surrealistas. Pensávamos que esses debates não passavam de filosofia. O mal-entendido persiste, no entanto, em nossa época reacionária, como mostra a prosperidade da palavra «vítima», significante «que serve para tudo», da modernidade consumista6.
A gravidade das mães amarguradas e a autenticidade das suas lamentações, suas vindas para a psicanálise contrastam com as grandes disputas e essas pequenas práticas que são uma omissão da nossa época em face do dever de aproximar de um real sem recuar diante da angústia.
A primeira das três mães recebidas por Philippe de Georges, seu discurso principalmente, está no ponto onde as curvas se cruzam. Pediatra, trabalhando em uma unidade neonatal – império, julgando-se pelas tecnicidades de alto nível –, ela é atingida pela «total dependência vital na qual se encontra o lactente, e o poder de vida ou de morte que pode se prestar de pronto à pessoa que assegura os cuidados […]. Esse poder maternal […] é causa de uma fascinação […].Ela lembra o deslumbramento que a inspirava na infância as madonas extasiadas das igrejas da cidade: ela as havia descoberto com sua mãe, compartilhando como um segredo feminino essa emoção»7.
O paradoxo e profundidade das curas relatadas neste livro não residem naquilo que ele indica que não se sofre mais pelas crianças como antes se sofria pelo sofrimento delas e do perigo de apenas as fazer nascer. Hoje, vencidas essas realidades de outrora podem, afinal, permanecer nas mentes. Não se trata de não dizer mais que as razões da angústia zombam do progresso. Trata-se de afrontar nossos saberes com o fato de que, para um certo número de mães, uma brecha se abre nos partos inacabados, «fissura sempre nova, como um segredo escondido que se dissimula e vos corrói»8. O culto à Virgem Maria hipostasiava as particularidades extremas de sintomatologias que nunca se assemelhavam. Sua laicização contemporânea não fez muito melhor. As classificações da clínica oficial, pior ainda, como o indica a invenção grotesca e relativemente recente do SMPP (síndrome de Münchhausen por procuração [Barão de Münchhausen – o grande mentiroso]), codificada por F 68.1 no CID109.
Sofrendo do parto da criança nascida delas e da qual não podem se separar, corações e corpos consignados no tormento em que ela lhes torna, essas mulheres «não se depreendem de nenhuma tese que poderia ser […] a mãe amargurada, geradora de uma criança sofredora»10. Igualmente, não se buscará nesta pequena nota entrar no detalhe dos relatos onde se entrelaçam com tato a articulação das causas e dos efeitos. Ph. Georges conseguiu isso, como se tivesse conjurado a fatalidade de uma impossível restituição das singularidades subjetivas.
Uma das três analisandas é atendida à noite feita, parecendo ter « escolhido este horário para um não-sei-quê de penumbra, um claro-escuro, que convém às confidências.
Alguma coisa do crepúsculo, ou a aproximação da noite, ameniza sua inquietude, sombreia o que o dia possa ter a seus olhos de duro, de cruel, de crueza»11. Uma outra, em seu consultório « olha para fora, o que a janela recorta da paisagem. Há um pequeno jardim, diante da casa do outro lado da rua […]. É como um quadro que falasse da África».12 Para uma terceira, enfim, enquanto ocorria a primeira sessão, « neva em Nice – o fato é bastante marcante para que se lembre. […] Os sons da cidade estão amortecidos, abafados, distantes. […] Tudo parece cintilante e tranquilo ao mesmo tempo […]. Então, é o desenho da paisagem que se impõe, inesperado, neste tipo de épura que destaca alguma coisa como sendo o essencial»13.
Nessas linhas, nem o procedimento nem a afetação literária, mas o empenho em uma escrita conduzida pela vontade de tomar cada pessoa mencionada à parte… da qual não se consegue recordar sem certo esforço para reconhecê-la. Pode-se «assegurar» (!): no As mães amarguradas não faltam considerações doutrinais, teses com reservas e hipóteses avançadas.
Desse modo, para o lugar do masculino nesta casuística, onde a incidência do pai das analisandas é estudado: «esses três homens têm então uma relação muito diferente sobre os seus papéis como pais, a idéia que eles fazem disso, de seu lugar no universo familiar […]. É surpreendente que, para cada uma dessas mães amarguradas, perto dela ou atrás dela, existe em algum lugar uma figura de pai feroz.14 Não é inadequado notar que, neste último ponto, a clínica das mães amarguradas se distancia substancialmente das castas simbólicas da virginal mater dolorosa. Sua amarga verdade padece ao ser comparada ao que muitas vezes é apenas afetação beata pela imagem sagrada15.
Para os homens, a leitura dessas «mães amarguradas» de Philippe de Georges traz uma lição. Ao final desta nota, surpreende-se um quase pastichar o Antoine de Sartine
[vi], para pensar o que deveria lhes demandar a psicanálise:
«Senhores Pais, não é suficiente declinar, é preciso ainda estar presentes!».
Presentes para dizer e redizer sempre que a dor não é a mãe, nem o infortúnio matricial; por vezes somente no discurso da ordem, aquele do mestre, o efeito de retorno da impossível harmonia que não comanda mais o céu, mas a tirania desarrazoada dos ideais de felicidade obrigatória. Um breve diálogo poderia se seguir:
«—Estar presente? O mundo tal como ele vai dá mais a pensar que elas saberão sair disso por si mesmas.
– Claro, mas quão menos empolgante isso não arrisca a ser?»
1 Philippe De Georges, Mères douloureuses. L’enfant cristallise leurs tourments, Paris, Navarin-Le Champ freudien, 2014.
2 Jones E., La vie et l’oeuvre de Sigmund Freud, Presses Universitaires de France, Paris, 1969, t. 3, p. 436-438.
3 Hugo V., « À Villequier », Les Contemplations, Poésie, Delagrave, Paris, 1925, p. 271 et 274.
4 Ibid.
5 Dostoïevski F.M., Les frères Karamazov, Ed. Rencontre, Lausanne, 1968, t. 1, p. 436-438.
6 Matet J.-D., Présentation de Pipol 7, Bruxelles, juillet 2015.
7 De Georges Ph., Mères douloureuses, op. cit., p. 30-31 & 35.
8 Ibid., p. 97.
10 De Georges Ph., Mères douloureuses, op. cit., p. 125.
11 Ibid., p. 67.
12 Ibid., p. 53.
13 Ibid., p. 23-24.
14 Ibid., p. 112.
15 Que se pense no Eu vos salvo Maria, de cantor célebre dos anos 1960, Georges Brassens: Pelo menino que morre perto de sua mãe / Enquanto crianças se divertem no jardim. Oh Pergolese, oh Vivaldi, em que suas musas se tornaram?
– Observações sobre as J44-
Impressões sobre SER MÃE,
por Damasia Amadeo de Freda (Buenos Aires)
Já sopra, há algum tempo, um vento de mudança nas Jornadas anuais da Escola da Causa Freudiana. Após o convite para testemunhar a sua própria análise, não havia escolha senão passar do « trauma » para alcançar, logicamente, os «Fantasmas da maternidade em psicanálise». «SER MÃE», e o ‘ser’ em maiúsculas, que é a indicação que nos sugeriu o título deste novo convite.
No entanto, que ele esteja escrito em maiúsculas não implica que a mãe dessas Jornadas esteve no absoluto. Tem-se, certamente, falado de mães repetidamente: da mãe muito presente, da mãe ausente, do desejo de ser mãe, da mãe que queria sê-lo e não consegue, da mãe cruel e da mãe malvada. Mas também, das graças e delícias da maternidade, de suas marcas indeléveis, de uma nova invenção possível, da estranheza da sua função, de sua ausência, das novas formas de gestação, da recomposição do seu lugar na família e até mesmo tem-se considerado sua possível desaparição.
Uma das novidades, entre as que já amadureciam nas Jornadas da ECF apareceu aqui, pois não temos falado apenas da mãe. Não somente falamos disso para uma platéia com uma cifra recorde de 3.100 pessoas, mas, durante essas Jornadas, nós a reproduzimos sob todas as suas formas. Alguns exemplos:
– Foi filmada, prestando-lhe assim homenagem, foi inventada, cantada e também desmistificada. A narrativa de anedotas da ficção e da vida fez a sala rir e a tocou.
– Foi encenada, representada, e aí houve reprovação, lágrimas e ódio, mas diante dela, o filho igualmente deixou cair a máscara. O público, comovido e encantado, a aplaudiu.
– Foi substituída, afastada, em benefício de uma máquina esquisita à
Wajcmannia[vii] porque, desde o primeiro dia, havia-se anunciado a vinda da criança sintética, vermelha, quase como a vinda de um novo deus. Essa mãe se parecia mais com uma impressora (e não das mais modernas!), do que com uma proveta e, perante os olhos atônitos do público, não precisou mais que uma hora para que, no seu ventre, o prodígio cumprisse a sua auto-gestação. E no domingo, ao meio-dia, podiam-se ver homens e mulheres, analistas, jovens ou experientes, se aglutinarem diante do fenômeno. Vestidos em T-shirts, nas quais se lia «SER MÃE» – como o logo de GAP ou «
I© NY» ou «Paris je t’©» –, Eram vistos correndo para obter um bebê, certamente já colocados em um móvel como lembrança da grande festa que foram essas Jornadas.
Antes de concluir e partir, uma lista interminável de nomes, de fotos e de músicas diversas desfilaram na tela gigante que não cessou de acompanhar as sessões plenárias para, no espaço de um instante, as fundir, as reunir na fila muito longa daqueles que, em silêncio, por trás da câmera, deram a vida e fizeram bater o coração daqueles que, todos, já denominaram: um verdadeiro acontecimento.
Tradução [para o Francês]: Chantal Bonneau
«A primeira vez
que não estou entediada»
por Dalila Arpin
Proveniente de uma cidade do oeste da Argentina, a proximidade do deserto me marcou profundamente. Verdadeiro oásis artificial, a cidade é cercada por aquilo que é chamado de « la pampa seca » (a pampa seca). Quase nenhuma planta cresce e os poucos arbustos que sobrevivem se erguem espessos para o céu.
Daí, eu associava o deserto ao tédio que se apoderou de mim quando nós devíamos atravessá-lo por horas para chegar a outra cidade. O tédio, então, sempre foi para mim um sintoma e uma bússola. Ele se torna, para mim, necessário, seja para evitar me entediar, seja para buscar não aborrecer os outros. Apesar da paixão pela psicanálise que me anima há muitos anos, nos congressos de psicanálise, eu podia me entediar, às vezes… até 15 de novembro último nas jornadas da ECF «Ser mãe». — Mas como? Mesmo sem tempo para sair um pouco, uma história para fazer uma pausa, tomar um café, conversar com os amigos? – NÃO! Muito pelo contrário. Uma atmosfera de trabalho árduo e ao mesmo leve.
Seqüências intensas, porém curtas, com mediadores que não pouparam sua quota de testemunho. Momentos de forte emoção, em que fomos afetadas, seja como mãe, seja como filha, alternando com outros bem divertidos, como aquele em que Christophe Honoré falou de sua mãe perseguindo Isabelle Huppert para se apresentar e lhe declarar o quanto ela tinha gostado do filme do seu filho, extraído do livro homônimo de Georges Bataille, Minha mãe… Algumas produções retratando mães emblemáticas do teatro. Jean-Claude Ameisen1 mostrando a nossa afinidade com as estrelas e as borboletas, depois Francois Ansermet, as superstições atuando em alguns laboratórios dos PMA: especialmente, nada de batom nos lábios nem de graxa nos sapatos!
Por fim, o testemunho de mães AE (Analistas da Escola), cada uma dando uma versão de mãe humana, muito humana. E se estivéssemos tentadas a sair entre duas sequências, nem isso era possível! Clipes de filmes sobre mães nos retiveram ainda…
Em suma, as jornadas do século XXI. Longe de m
im a insustentável leveza e a opressão de outrora diante desses «divertimetos sérios»2, como o dizia tão bem Lacan.
[1] Presidente do Comitê Consultivo National de Ética.
[2] Lacan J., Le Séminaire, livre XIX, …ou pire, Paris, Seuil, 2011, p. 81.