Plano para o autismo na Bélgica
O que é perseguido, por Gil Caroz
Em caso de conflito entre uma ciência cujo gozo é o objeto, a psicanálise por exemplo, e qualquer outra ciência, cada um dos interlocutores, no fundo de si mesmo já escolheu – para a eternidade. Quer dizer, parafraseando François Regnault[1], que a psicanálise não esperou pelos peritos dos TCC e pelos avaliadores para ter seus opositores. « Peste », « tóxica », ela sempre teve seus anticorpos. A oposição à psicanálise não é uma opinião, é uma posição.
Jones relata que Freud se divertia muito ao escutar as pequenas indignações que marcam o acolhimento da psicanálise na América. « Assim, conta Jones, no fim de 1909, eu fiz um comunicado sobre a teoria dos sonhos frente aos membros da Associação Americana de Psicologia e falei sobre o egocentrismo; uma senhora se levantou e protestou com indignação, dizendo que isso poderia ser verdadeiro para os sonhos vienenses, mas que ela tinha certeza de que os sonhos americanos eram altruístas. Um outro psicólogo vem a seu reforço insistindo sobre o papel importante da temperatura do aposento nas associações do sujeito. Freud tendo omitido trazer um detalhe tão importante donde se segue que suas conclusões não eram dignas da confiança dos sábios »[2].
Portanto, nada de novo há nessa campanha levantada contra a psicanálise por via do autismo, mas essa é menos divertida. As tentativas de regulamentar a psicanálise pela lei, de desacreditá-la através de pesquisas « científicas » ou proposições moralizantes, são mais perigosas que uma simples contestação tal como Freud conheceu. Essa perseguição corre o risco de nos aborrecer. Por isso, há uma dezena de anos os psicanalistas do Campo Freudiano saem de sua pudica clandestinidade para demonstrar a eficácia da psicanálise aplicada à terapêutica e defendê-la em alto e bom som nas mídias, junto às políticas, à lei, aos tribunais. É claro que, quanto mais as qualidades da grande dama são levadas à cena, maior é o encarniçamento dos contestatórios amorosos. Essa armada vociferante que, em nome da transparência, do ecletismo, da ciência e da objetividade nos demanda muito gentilmente que nos calemos, não é indiferente à psicanálise; a transferência negativa é a prova de que a psicanálise sustenta sua voz, e de que por acréscimo ela é escutada.
Numerosas são as instituições na Bélgica que se orientam pela psicanálise para « dizer alguma coisa » às crianças autistas, e isso há longos anos. Por si só, esse dado é uma demonstração. Todo um universo clínico agita-se em torno dessas instituições: crianças autistas, pais, clínicos, serviços sociais, estudos clínicos, seminários, publicações…
« Que isso não se sustente! Vamos lá! Marquemos alguns quadrados! Produzamos alguns números e digamos: a psicanálise é a pior aluna da classe. Disso temos provas ‘objetivas’ e pouco importa o subjetivo de uma mãe ou de um pai que confiam na psicanálise. Vamos desencorajá-los! Para seu próprio maior bem! E se isso não funcionar, difamemos: a psicanálise culpabiliza os pais; a prova: Bruno Bettelheim! ».
Um minuto. Debrucemo-nos sobre essa questão. O que faz com que Bettelheim, clínico fino e fonte de inspiração para tantos praticantes, tenha acedido a esse lugar de figura mal disposta em relação aos pais?
Sua fórmula que compara a condição da criança autista à do prisioneiro de campo de concentração face a seus carrascos não é, talvez, a mais feliz. Mas o leiamos bem. Sua elaboração não é sem dialética.
Ele se pergunta longamente sobre a relação entre a mãe e seu filho autista em termos da relação entre o ovo ou a galinha. Será que sentimentos maternais negativos, ambivalentes ou indiferentes provocam o retraimento da criança autista? Ou ao contrário, será que sentimentos negativos da mãe são devidos a essa retirada da criança? Ele acaba por decidir dizendo que nessa interação o que importa não é tanto saber se o que precede é a ação negativa da mãe ou da criança. « O que conta, é que a ação seja interpretada corretamente e receba uma resposta apropriada »[3]. É aí que Bettelheim atribui responsabilidade à mãe, quer a criança seja autista ou não. « Durante a infância, tudo depende de respostas do personagem materno às reações positivas e negativas da criança »[4].
Esse modo de formular a questão mostra que se trata de uma tentativa, sem dúvida não muito hábil, de nomear uma causa no real. Um real que concerne ao nascimento de uma criança, de qualquer criança, para seus pais. Dão testemunho disso as depressões pós-parto de certas mães assim como as vacilações encontradas na clínica de muitos pais quando a criança surge. Para os pais, a criança cai sobre eles, mesmo quando desejada. Que a seguir a criança seja transformada em « benção » ou « infelicidade » para os pais, isso é apenas uma construção secundária em relação a esse real sem lei. O nascimento de uma criança não responde a nenhum programa pré- concebido, nenhuma garantia de que as coisas vão dar certo. Salvo no sonho de clonagem da ciência, ninguém pode saber antecipadamente as coordenadas subjetivas da criança ao nascer. O sujeito de cada genitor deve se confrontar aí, bem ou mal, com sua versão singular de modo de abordar o real.
A dificuldade de localizar o « veneno » que plana sobre toda relação pais-crianças é ela mesma uma indicação de que a toxicidade em questão é apenas um real ao qual todos os protagonistas concernidos devem fazer face. Assim, ao escândalo evocado por Bettelheim, eu acrescento um outro: não somente os pais são as vezes tóxicos para sua criança, mas também uma criança pode ser tóxica para seus pais.
A preocupação íntima de Bettelheim era a das « situações extremas » nas quais o sujeito se encontra radicalmente abandonado pelo Outro confiável, ou ainda confrontado a um Outro malévolo ao ponto em que todas as suas construções simbólicas e imaginárias são destruídas e o sujeito se encontra reduzido a seu corpo. Diríamos, em termos do Seminário VI de Lacan[5], que as condições do desejo e do ser são abolidas, e que o sujeito se encontra reduzido a sua existência pura. Tudo que lhe resta a fazer é esperar a morte. Rendamos homenagem a Bettelheim reconhecendo sua abordagem do autismo a partir de uma experiência íntima que o animou desde sua internação durante dez meses em Dachau e Buchenwald.
Para meu entendimento, o que torna inaudíveis as proposições de Bettelheim é sua tendência a dar corpo a conceitos psicanalíticos. O Nome-do-Pai e o Desejo da mãe, conceitos abstratos, são reduzidos nele ao homem-pai e à madame-mãe. « O fator que precipita a criança no autismo infantil, diz ele, é o desejo de seus pais de que ele não exista »[6]. Assim ele encarna o Outro de seu desamparo, o Outro do Hilflosichkeit condenando o sujeito a uma angústia maior, angústia que se produz na junta onde o sujeito emerge de sua existência para o ser. A pessoa dos pais vem encarnar para ele esse Outro que deixa o sujeito sem recursos.
O próprio Bettelheim foi, ele mesmo, vitima dessa tendência. Se deu corpo ao conceito do Desejo da mãe, em sua vida de pensador encarnou o das Ding escolhido por uma paixão odienta, pois tinha um talento particular a se fazer objeto a ao tocar as vacas sagradas. Isso lhe granjeou o ódio em várias ocasiões. Ele não hesitou em criticar a família de Anne Frank. Sustentou a posição de Hanna Arendt na controvérsia que se seguiu a seu Eichmann em Jerusalém. Ele atribuiu uma trivialidade de emoções às crianças do Kibbutz em sua obra pública sob o titulo de As crianças do sonho. Sem dúvida tinha prazer em proferir fórmulas chocantes. Isso não o impedia de ser um fino clínico.
Além de sua tendência a se fazer objeto a, falta-lhe a distinção entre os três registros, RSI de Lacan, que poderia protegê-lo da confusão entre o gozo da mãe como conceito e sua encarnação na pessoa dela. A partir daí, teríamos sem dúvida alguns desacordos com ele se tivéssemos tido o prazer de encontrá-lo.
Mas não deixamos de considerá-lo. A busca de Bettelheim é psicanalítica e é por isso que a rastreamos. Aliás não escapamos à difamação da qual ele é objeto, já que o significante « tóxico » atribuído a um genitor se vira também contra nós em seguida ao título « Pais tóxicos » que escolhemos para uma de nossas próximas jornadas de estudo. Lá, Bettelheim, tem algo a ver. É a psicanálise perseguida porque o próprio objeto de sua pesquisa, a saber o gozo, desarranja.
A psicanálise não culpabiliza os pais, mas não desculpabiliza ninguém. A culpabilidade como a vergonha são modos de tratamento do real que é necessário saber respeitar. Mais do que desculpabilizar, a psicanálise faz divisa no caminho em direção à responsabilização do sujeito. Os analistas são as primeiras « vítimas » desse procedimento. Face ao real, seja ele qual for, estamos todos do mesmo lado. Se falamos de « Pais tóxicos » é porque somos os primeiros a ser divididos pela questão. Quem passou pelo divã sabe disso. Quem não passou por ele não pode julgar sobre isso. Mesmo se fosse um perito.
Notas:
1. Regnault F., Notre objet a, Verdier 2003, p. 12.
2. Jones E., La vie et l´ouvre de Sigmund Freud, tome 2, Paris, PUF, 1988, pp. 63-64,
3. Bettelheim B., La forteresse vide, Gallimard, 1969, p. 176.
4. ibid.,p. 175.
5. Lacan J, Le seminaire, Livre VI, Le désir et son interpretation, Editions de la Martinière et Le Champ Freudien Editeur, juin 2013.
6. Bettelheim B., La forteresse vide, op. Cit. P. 171.
O Forum de Bruxelas:
«Qual plano para o autismo?» por Yves Vanderveken
Um parecer do Conselho Superior de Saúde visando qualificar o que considera como « boas práticas », tomando a seu cargo o autismo, mexeu com o campo psi na Bélgica. Por iniciativa própria, tendo sido apresentado como neutro, divide e atiça as oposições ideológicas partidárias.
O parecer toma como único campo de referência a evidence based, num domínio em que sua pertinência está invalidada. O parecer expulsa toda dimensão clínica de abordagem do autismo, cujo espectro se encontra quase estendido ao conjunto da psicopatologia infantil. Rejeita, a priori, todas as referências outras que não a sua, quando elas lhe são expressamente recomendadas pelos atores do campo rapidamente consultados. Além disso, é presidido pela figura de proa das técnicas cognitivo-comportamentais dede há muitos anos na Bélgica. O dito relatório incensa e promove, desde então, só as técnicas re-educativas, varrendo todas as abordagens psicanalíticas, psicodinâmicas, desenvolvimentistas e institucionais.
Opondo umas às outras, invalidando e caricaturando as últimas, radicalizando a relação da HAS na França, no entanto, largamente contestada e que parece constituir apenas sua única referência, o parecer parece vir a propósito para sustentar com sua caução duvidosa um lobbing – se não potente, pelo menos hiperativo – que toma com o objetivo de reorientar, em plena campanha eleitoral, em um sentido que visa impor uma única referência ao seu gerenciamento e aos orçamentos alocados, no lugar do compromisso assumido pelos partidos políticos do estabelecimento de um « plano autismo » legítimo e de orientação pluralista.
Um fórum foi feito então, neste sábado 10 de maio de 2014, em Bruxelas sob o título: « Qual plano para o autismo? » Organizado pela ACF-Belgique e o Kring voor Psycoanalyse van da NLS, em parceria com o Réseau Interdisciplinarité et Société de l’Université Saint-Louis, que o acolheu, sustentado por quase 60 (!) associações e instituições especializadas na área. Reuniu 350 pessoas. Universitários, especialistas renomados no campo, analisaram escrupulosamente o dito relatório em suas várias dimensões desenvolvidas. Eles também apreenderam, com razão, os saberes atuais sobre o autismo, as técnicas e abordagens de tratamentos para isso.
Clínicos e responsáveis por instituições, que têm prática com o autismo, com a psicologia e com o deficiente há muitos anos, e cujas práticas muitas vezes multifatoriais se encontram validadas e reconhecidas por instâncias administrativas que as supervisionam, puderam, com seriedade e demonstração, exorcizar a desinformação que uma perseguição doce se esfalfa por propagar sobre sua prática e resultados – particularmente da psicanálise. A cineasta Mariana Otero, autora de um admirável documentário, A ciel ouvert, unanimemente reconhecido pela crítica, nele testemunhou e debateu, a partir de um lugar em que se colocou como cidadã, sobre sua apreensão de um debate, de uma questão e da ética de uma abordagem que descobriu por ocasião de seu projeto e que quis agora tornar públicas.
Muitos pais ou associações de pais, corajosamente e com uma dignidade que obriga ao respeito, testemunharam na tribuna a confiança que queriam afirmar, efeitos dos quais queriam dar testemunho, vindo do que seguiram em sua criança e, sobretudo, do respeito por sua palavra, por seu sofrimento e pelo acolhimento que as práticas psicanalíticas lhes trouxeram. Precisaram a que ponto se reconheciam no que Mariana Otero testemunhava. Enfim, e isso não é pouco, o presidente do Conselho de Gestão da Agência Wallonne para integração das Pessoas Deficientes, também com dignidade, coragem e moderação – para além das pressões que continua a receber de algumas associações, parece que isoladas mas ativas -, quis vir trazer sua sustentação e defender a pertinência atestada por uma abordagem pluralista desse delicado e complexo problema que é o autismo.
Assim foi dada a ocasião, por esse fórum, para recomeçar a fazer escutar uma outra voz, potente e autêntica, voluntariamente e ideologicamente confiscada, até mesmo excluída, pelo relatório. Um debate democrático sereno e pluralista foi por aí restaurado. O debate democrático que, para além das querelas de partidos em um campo que não o aceita nem o autoriza – mesmo se as escolhas éticas que aí se oponham sejam incompatíveis -, exalta o pluralismo e irá se opor a tudo que se aparentaria mais e mais a uma « política » dos tratamentos. Aquela que tiraria a escolha do sujeito, de seus parceiros e de sua equipe, no domínio do humano e de seu mal estar, onde toda imposição equivale a um abuso de poder.
Tratava-se aí de uma primeira etapa, que o envio de um dossiê aos políticos, administrações e « agências » diversas substituirão, assim como o lançamento de um número especial do Forum des Psychanalystes saído do acontecimento. Vários contatos e laços já foram feitos a seguir. Supomos e atribuímos aos homens e mulheres políticos belgas uma sabedoria, uma preocupação democrática e, sobretudo, uma apreensão muito fina no domínio que toca ao curativo no campo humano, que o combate precedente sobre a legislação da psicoterapia demonstrou. Fortes por nosso comprometimento, nossa convicção e nossa experiência que demonstraremos e sustentaremos, nós lhes damos um voto de confiança – sem que essa seja, por isso, cega.
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Lançamento do n° 3 do Forum des Psychanalystes
As declarações inéditas de mulheres e homens políticos sobre a psicanálise, no quadro do projeto de lei sobre a psicoterapia votado no parlamente federal belga. Os comentários dos artigos de lei que concernem à psicanálise e à psicoterapia de orientação psicanalítica.
A correspondência enviada aos parlamentares.
Artigos e análise de Patricia Bosquin-Caroz, Yves Vanderveken, Éric Laurent, Geert Hoornaert, Christine Le Boulengé e um encontro exclusivo com Corinne Maier.
À venda ao preço de 10 euros por depósito bancário na conta ACF-Belgique 68-0929750-32 [IBAN: BE 90 0680 9297 5032 – BIC: GKCCBEBB]
Assinatura desde agora para 3 números: 25 euros
«Este filme, é preciso que todo mundo o veja»
por Émilie Gautier-Albert
por Émilie Gautier-Albert
Em 10 de abril de 2014, em Redon, depois de uma projeção do filme A Ciel ouvert, de Mariana Otero, seguiu-se uma tarde de debates.
Na sala, cheia de profissionais do campo médico-social, os comentários, observações e curiosidade foram variados. Giraram, logo no início, em torno de pessoas que trabalham no Courtil e que vemos trabalhando no filme. Porque, com efeito, o que repercute desde os primeiros instantes, é que não se sabe quem é quem. Nenhuma roupa branca, etiqueta, nenhum clichê que fizessem consistir as representações imaginárias. Não, todos, sem distinção de diploma ou de estatuto, estão no cotidiano com os jovens, no próprio coração do encontro. Esse que faz marcar o tempo dessa instituição.
Porque se trata bem de um encontro. O encontro com o outro tal como ele é, lá onde ele está. Aqui o termo educar fica sempre um pouco à margem, ou mais exatamente além dos standards. Porque o adulto e a criança que se reencontram vão, cada um, tentar fazer um laço, tal como o pequeno príncipe de Saint-Exupéry com sua raposa. Cada um consente em se deixar ensinar pelo outro. O adulto tem algo a educar em si mesmo para acolher a novidade. É uma instituição para além das tradições. Cada um se desloca de sua posição profissional de comando. Não há autoridade feroz aqui. É preciso então que toda a equipe seja participante desse jogo. Inclusive a direção. E daí, cada um pode se autorizar a dizer o que não suporta. Não se trata de deixar fazer tudo, tudo dizer. Mas não é também todo o ser do jovem que é posto em causa quando é ultrapassado por seu sofrimento, seus gritos. Dizer « não posso comer ao lado de um grito », em vez de um « não posso comer a teu lado » denota a capacidade dos intervenientes para sempre tentar operar um pequeno deslocamento. Ponto de precipitação, não de afobação. Os intervenientes sabem se fazer presentes e, ao mesmo tempo, se ausentam para dar lugar ao outro. Não estão na demanda, assim como não estão no querer pelo outro. Trata-se mais de encontrar, inventar, do que impor. Não há comando que deva ser obedecido, mantido na classe… Não há capricho de um outro que gostaria de impor um quadro. As intervenções não são jamais frontais. Fala-se muito entre os intervenientes. O ritmo de cada um é respeitado. E se o tempo é em fluxo contínuo para alguns, então se faz a escansão.
O que salta aos olhos através do filme, é o quanto essa clínica faz falta em muitas instituições. No Courtil, não há pressão para estabelecer um diagnóstico. Pois não é o que parece ser mais importante. O objetivo é o de compreender, aprender o que o jovem pode ensinar, por um « o que ele quer nos dizer com o que nos mostra? ». Na medida em que se desenvolve o filme, percebemos a importância dos semblantes, de um enquadre que limite a invasão dos jovens por seus sintomas. Questionamos as evidências, como a de nos dizermos que ter um corpo, sentir a unidade de um corpo, não se dá por uma conjuntura válida para todos.
Mas eis que não se faz, na maior parte das instituições de formação, uma preparação desse gênero. Não é isso que nelas é ensinado. E, no entanto, há no Courtil, nessa instituição especificamente orientada pela psicanálise, algo da ordem do cuidado. Algo opera nesse encontro. Há claramente algo que orienta e fala aos que nela trabalham. Algo que os orienta não a saber adiantadamente, para interpretar rápido demais, mas para saber escutar. Não, eles aceitam não saber. Em todos os casos não-todos. E não imediatamente.
Há uma vontade da parte deles, um prazer de ir trabalhar, e mesmo de trabalhar nas horas de folga, como mostra o documentário. O tempo da supervisão encontra toda a sua importância, cada um tentando compreender onde está, ele também, singularmente.
Com certeza, as condições de trabalho são um fator favorável: meios financeiros, número suficientemente grande de profissionais. É também quando não temos mais os meios que, às vezes, tornamo-nos « mal tratantes ». Trabalhar com 1 ou 2 adultos para 25 crianças, é inaceitável. É preciso saber dizer não e que dêem os meios para nossas exigências.
No Courtil recriaram uma dimensão familiar. Com pequenos grupos. As vezes 3 adultos para um jovem, em eco de situações cotidianas que podemos reencontrar na esfera familiar. Não há planejamento preestabelecido, antes, com número de atividades obrigatórias e que se encadeiam. Tudo é proposto, a palavra de cada um é escutada, e as atividades se apoiam no desejo dos jovens assim como o dos intervenientes.
Uma voz se ergue do fundo da sala: « E as famílias nisso aí »?. « Esse debate é muito profissional mas eu que sou mãe de uma criança autista, me digo que é preciso atrair as pessoas que não são desse meio, porque esse filme, é preciso que todos o vejam! »
Sim, estamos todos de acordo com ela porque esse filme vem dizer alguma coisa. E especialmente às pessoas que têm medo desse desconhecido. Mas então onde está a fala dos pais? No Courtil trabalhamos com os pais sobre o não julgamento.
E após Courtil para todos esses jovens? Como farão eles uma vez fora dessa instituição para se orientar em nosso mundo, que se quer cada vez mais normativo, avaliador e competitivo? Pois bem, todos esses apoios construídos no seio da instituição serão bagagem para eles. Eles terão aprendido a saber fazer com seu sintoma. A observar, gerir o excesso, escandir… Eles se colocarão a trabalho para fazer qualquer coisa por eles mesmos. « Mas você vai descobrir como fazer com isso! » diz Alexandre Stevens a um dos jovens que se prepara para integrar um outro grupo.
No Courtil é sempre uma aposta, feita com a criança, de que vai encontrar ela mesma através do encontro com um discurso, que dá lugar à sua singularidade. Seus pontos de apoio, suas bricolagens.
LIDO HOJE, por François Regnault
14 de maio de 2014
Lido no Almanaque Vermot (que me é caro) de hoje: « Eles teriam feito melhor em se calar ».
« Esse telefone tem defeitos demais para que possa ser considerado um dia como utensílio de comunicação. Esse equipamento a nossos olhos não tem valor algum ». (Memo interno da Western Union, 1876) « O telefone é uma invenção espantosa, mas quem gostaria um dia de se servir de um tal aparelho? » (Rutherford Birchard Hayes, Presidente dos EUA de 1877 até 1881).
« As pessoas bem informadas sabem que é impossível transmitir a voz por fios elétricos e mesmo quando isso seja possível, não terá interesse prático algum! (Editorial, The Boston Post, 1865).
« Não há razão válida alguma para que quem quer que seja queira ter um computador em casa » (Ken Olsen, presidente e fundador da Digital Equipement Corps. 1977).
Lido em 14 de maio esta questão para 15 de maio (Almanaque Vermot)
Qual é o mais antigo restaurante de Paris?
A. Le Procope? B. La tour d’Argent? C. Le Grande Véfour?
15 maio 2014
Lido em 15 de maio em resposta à questão de 14 de maio no Almanaque Vermont:
La Tour d’Argent: 1582. Uma hospedaria de La Tour d’Argent foi construída durante o reinado de Henri III. Edificada às margens do Sena, atrai muito rapidamente uma clientela elegante. Os barcos eram colocados pelo dono à disposição dos senhores e senhoras da corte.
Le Procope: 1686. Francesco Procopio dei Coltelli instala na rue des Fossés Saint-Germain seu bar de cafés. Torna-se rápido lugar de reunião dos belos espíritos.
Le Grand Véfour: 1784. Inicialmente Café des Chartres, torna-se o Véfour em 1820. Joia da arte decorativa, foi classificado como monumento histórico. Bonaparte e Joséphine lá almoçavam frequentemente. Depois Balzac, Victor Hugo e George Sand. Enfim, Colette e Jean Cocteau.
16 maio 2014
Lido no Causer N°13, Maio 2014
«Reflexões sobre um tumulto», por Alain Finkielkraut, da Académie française, à propósito dela mesma:
L’Académie française, une réception sous la Coupole
« Sua idade avançada me parece hoje seu mais belo trunfo: a Academia representa a tradição, os mortos, a boa vontade, para falar como Chesterton, de se submeter « à oligarquia estreita e arrogante daqueles que não fazem nada mais do que se encontrar vivos ». Porém, a dúvida não me deixou: sei tudo o que eu não sei, não ignoro nada do que me falta […] quando meditava sobre o por quê dessa decisão tomada in extremis [apresentar sua candidatura à Academia], fiquei perplexo. Não encontrava nenhum motivo irrefutável. Felizmente, fui tirado de meu embaraço pela campanha política que desencadearam contra mim alguns fraques verdes, vermelhos de indignação. « Com Alain Finkielkraut, disse um dentre eles, é a Frente Nacional que entraria no La Coupole ». O antifacismo delirante que lá se exprime deu uma razão de ser à minha ambição ».
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