Disponibilizamos, em primeira mão, o artigo de Jorge Forbes, neste domingo, no Estadão: “O Futebol dos Mascarados”.
O Futebol dos Mascarados Jorge Forbes É dessas fotos que ficam no imaginário coletivo: Pelé aos dezessete anos, campeão do mundo, chorando no ombro do grande Gilmar que o ampara, o consola, o anima, o conforta. Passados não mais de 52 anos, a reprodução dessa cena é quase impensável. Se o garoto Neymar tivesse sido campeão do mundo nos seus atuais 18 anos, como muitos queriam, em que ombro choraria de emoção, se é que choraria? No de Dunga, velho e bravo campeão; no de Kaká, veterano de outras copas e acostumado aos aplausos? Não, não parece a ninguém factível a repetição daquela cena protagonizada por Pelé e Gilmar, nos campos da Suécia. Meninos de hoje não choram mais nos ombros de seus ancestrais, meninos de hoje não têm ancestrais. A sociedade pós-moderna pulveriza as verticalidades e não provê acolhimento das angústias nas hierarquias verticais, nos mais velhos, nos mais experientes, nos que já passaram por isso. O resultado está aí: a série que deveria ser: descoberta, sucesso, fama, dinheiro, conforto e satisfação tem sido: descoberta, sucesso, fama, dinheiro, mulheres, drogas, violências, desastres, prisão ou ostracismo. Podemos pensar em uma explicação paradigmática, além das particularidades de cada caso, o que o mais das vezes só anda tampando o sol com a peneira: foi o pai violento, a mãe alcoólatra, as más companhias, a péssima educação, o irmão psicopata, etc. Ocorre que a saída da pobreza e do anonimato para a riqueza e a fama, subitamente, gera uma forte crise de identidade. Ter sucesso é cair fora; na palavra sucesso, tem a raiz ceder, cair. Quem tem sucesso cai fora do seu grupo habitual de pertinência. Jobim não tinha razão quando dizia que o brasileiro não desculpava o sucesso, pois nenhum povo desculpa, só variam as maneiras de demonstrá-lo. A máxima de Ortega y Gasset ainda é válida: “Eu sou eu e a minha circunstância”. E quando a minha circunstância muda abruptamente, fica a pergunta profundamente angustiante: – “ Quem sou eu?”, que fundamenta a crise de identidade. Aí, com frequência a pessoa se aliena em uma identidade forjada, aquela que fica bem na fotografia, a máscara; surge assim o mascarado. Quantos e quantos jogadores de futebol não se transformaram em mascarados diante dos nossos olhos? E a coisa não pára por aí. A máscara não é suficiente para dominar a angústia causada pelo sucesso, vindo, em seguida, um sentimento terrível de ilimitação, de poder tudo. Quer alguma coisa, compra; quer um amor, toma; quer ter razão, impõe. Esse sentimento de quebra de fronteiras pede um basta que não raramente aparece da pior forma: no insulto, no acidente, na morte. Alguns têm a sorte de passarem por um desastre controlável e depois conseguem se recuperar, carregando beneficamente a cicatriz de sua desventura, mas muitos e muitos vão e não voltam.
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