o sopro do koan na escritura de fátima pinheiro
posfácio do livro escrito por Fenando José Karl
paul valéry escreveu num de seus cahiers: “o poema, essa oscilação prolongada entre o som e o sentido”.
“sim, é”: o encontro do corpo com o osso e com a chuva da palavra: a língua, em fátima, é algo impossível que se deixa fisgar por uma contingência. uma língua desnudada até o assombro, mais longe que o corpo, no fundo do ar. “sim, é” tem uma relação tempestuosa com o sentido: dilacera a interioridade: é contra o assepticamente controlado.
neste “sim, é”, os corpos minúsculos e negros das palavras na solidão da ponta da língua de fátima nos indica que, quanto mais rápido é o jorro de sua escrita, mais clara ela é, porque fátima sabe que é no hesitar na escolha das palavras que se precipita o pensamento. por isso, ela pratica o koan, este enigma quase insolúvel, que apresenta a solidão de um significante à solidão de outro significante, à procurada quebra do sentido. o koan é uma contradição, um ir contra os padrões congelados, enfim, contra a mesmice. nos koans (que ela reinventou e agora podem ser chamados de semi-koans, a língua de fátima suprime a opacidade, infiltra na pedra gasta da gramática a jam session (o improviso) de um sopro novo. sobre o koan, fátima escreve: “o koan é o corte, a interrupção da cadeia polissêmica, é a via que se dirige para o confronto direto com o gozo e a pulsão. contudo, o koan não se dirige para a absurdez, e sim para a isenção de sentido”.
a lâmina d’água da escritura de fátima pinheiro não encontra o bem nem o belo, mas a alegria, a satisfação através do uso da palavra: o que é uma palavra neste “sim, é” de fátima? uma linha de zeros ao longo do mar, um nada? a palavra, sabe-se, é nada, no entanto, um nada que dá. dá o quê? a afirmação de uma presença, que, sim, é.
mas o que há no “sim, é”, que o faz tão essencial nestes dias bárbaros em que a mesmice grassa por todos os lados? há, no “sim, é”, de fátima, contos,poemas, koans, tankas, haicais. e tem mais: neste “sim, é” – tão visível quanto as ostras e os leques – a linguagem encontra o vivo a cada instante, constelando algo que se mostra virgem, vivaz, tocado pelo falasser: como disse lacan: “só há abismo se o falasser o dizer”. fátima diz, com elegância e sobriedade, mas aprendeu que este dizer é um artifício.